Os desafios das ‘fake news’ na América Latina

Os desafios das ‘fake news’ na América Latina

Região tem eleições em seis países em 2018 e precisa lidar com problema da difusão de notícias falsas. Mas não pode simplesmente importar soluções de outros países

21/04/2018
Por Luisa Lobato e Louise Marie Hurel
Publicado originalmente no Nexo

Os desafios das ‘fake news’ na América LatinaNa França e na Alemanha, preocupações com os impactos das “fake news” em processos democráticos se seguiram à campanha de desinformação russa que marcou a disputa eleitoral de 2016 nos Estados Unidos. No início da crise política na Venezuela, em 2017, grupos do governo e da oposição difundiram informações falsas, potencializadas pelo clima de polarização política no país. De modo similar, a Argentina viu uma proliferação de websites voltados para a difusão de notícias falsas.

Apesar de sua difusão como ferramenta política ser um fenômeno antigo, as “fake news” se diferenciam pela escala, velocidade e alcance das informações, alimentados pelo avanço de novas tecnologias.
No Brasil, a campanha presidencial de 2014, o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e as eleições municipais de 2015 marcaram os debates sobre o tema. De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Igarapé, os bots, softwares que imitam ações humanas em contas automatizadas, foram centrais para a disseminação de boatos e informações falsas nas redes sociais. Essas aplicações têm sido amplamente utilizadas para propaganda política, difusão de notícias falsas e discurso de ódio na América Latina.

Os meios predominantes de acesso à Internet também têm papel importante no tipo de informação que chega aos usuários e plataformas sociais desempenham papel central enquanto “espaços” de debate. Aproximadamente 93% dos brasileiros utilizam dispositivos móveis para se conectar à Internet. Isto é corroborado pela oferta de planos “zero-rating”, com acesso gratuito e ilimitado a redes sociais e aplicativos específicos, como o Twitter, o Facebook e o Whastapp.

Por seu amplo alcance, essas plataformas também são utilizadas para propaganda política. Em 2017, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou uma reforma no sistema eleitoral brasileiro, autorizando, a partir de agosto de 2018, a propaganda política mediante anúncios ou publicações patrocinadas em mídias sociais. O tribunal também lidera uma iniciativa multissetorial para elaborar estratégias de combate ao fenômeno.

A proliferação de perfis e páginas falsas gera controvérsias sobre lidar com a difusão de desinformações em plataformas sociais, as quais carecem de resposta coordenada ao fenômeno. O Facebook recentemente lançou uma campanha de conscientização sobre o compartilhamento de informações falsas na plataforma e implementou mudanças em seus algoritmos para reduzir o alcance de manchetes caça-cliques, priorizando conteúdo produzido por usuários no lugar de conteúdo patrocinado. Em reação, a Folha de São Paulo acusou a empresa de encorajar a proliferação de fake news em prejuízo do jornalismo profissional.

A difusão de notícias falsas no WhatsApp torna a situação ainda mais complexa. O aplicativo é o segundo mais popular na América Latina, com mais de 100 milhões de usuários apenas no Brasil. Sua ubiquidade, a facilidade com a qual a informação viaja entre pequenas e médias redes de usuários, além do uso de criptografia ponta-a-ponta, tornam praticamente impossível rastrear as fontes das informações falsas.

O ano de 2018 será fundamental para a região, na medida em que seis países se preparam para corridas presidenciais que prometem modificar substancialmente as alianças políticas existentes. Respostas institucionais a campanhas de desinformação ainda se encontram em estágios iniciais e iniciativas coordenadas para combater sua difusão são, na melhor das hipóteses, limitadas e, muitas vezes, marcadas por tentativas de controlar a circulação de informação na Internet.

Do ponto de vista não governamental, parte das iniciativas envolve as atividades de organizações de checagem de fatos, que se multiplicaram regionalmente com o objetivo de verificar conteúdos tidos como parciais, incompletos ou falsos. A agência argentina Chequeando foi pioneira na região, seguida pelo “boom” de iniciativas similares no Brasil, Colômbia e outros. O trabalho dessas agências indica que notícias falsas compõem um espectro amplo de desinformação on-line.

O uso político de campanhas de desinformação é uma estratégia comum na política latino-americana e contribui para moldar o debate regional sobre o tema. Por meio destas, grupos políticos e monopólios de mídia em toda a região buscam influenciar a opinião pública.

A novidade é o encontro entre velhas estratégias e novas tecnologias. A aliança entre modelos de negócio que têm anúncios como sua principal fonte de lucro e práticas agressivas de propaganda política, pautadas na desmoralização do adversário, podem contribuir para a propagação da desinformação na região. Preocupações com esse encontro foram manifestadas em uma carta aberta, assinada pelo Instituto Igarapé e diversas outras organizações da sociedade civil latino-americanas.

À medida que questões como a corrupção, a polarização política e o populismo são proeminentes, abordagens nacionais em torno do fenômeno das “fake news” devem ser consideradas com cuidado. Iniciativas como o relatório do Conselho da Europa, a consulta pública para o desenvolvimento de uma estratégia regional e a formação do Grupo de Peritos de Alto Nível da União Europeia oferecem bons precedentes sobre como lidar com o fenômeno e suas implicações políticas. Mas replicar estratégias desenvolvidas no Ocidente não basta. Países da região devem considerar como esses modelos se alinham com as especificidades e contextos locais.

O real desafio de uma estratégia latino-americana no combate à desinformação on-line está em buscar modelos participativos de engajamento, sem recorrer a respostas que potencialmente resultarão em censura ou facilitarão a manipulação política da informação. É fundamental estimular e criar vontade política e institucional para incentivar um debate público participativo local e regionalmente.

Como os impactos da desinformação na democracia são pouco claros, é importante ter cautela ao se oferecer respostas ao problema. A regulação deve resistir ao apelo de medidas proibitivas, punitivas e de censura on-line, como propostas em projeto de lei apresentado ao Senado. Alternativas eficazes podem envolver, por exemplo, soluções técnicas, como algoritmos que facilitem visualizar diferentes veiculações de uma mesma informação e o desenvolvimento de bots que auxiliem na identificação de notícias falsas. Educação e conscientização devem estar na base de qualquer proposta e os obstáculos que enfrentam, como distância, pouca conectividade à Internet e isolamento das comunidades, devem ser considerados desde o princípio.

Luisa Lobato e Louise Marie Hurel são pesquisadoras do tema “Segurança Cibernética e Liberdades Digitais”, do Instituto Igarapé.

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