Uso de opiáceos no Brasil dispara mais de 400% e preocupa médicos

Venda desses remédios saltou de 1,6 milhão para 9 milhões, entre 2009 e 2015
06/06/2018
Por Paula Ferreira
Publicado originalmente em O Globo

RIO — A epidemia de opiáceos — medicamentos usados para conter dores agudas — é uma realidade que já acometeu a Europa e, atualmente, preocupa autoridades americanas. Mas, no Brasil, o uso dessas substâncias não tinha chamado a atenção até ontem, quando uma pesquisa revelou o aumento de 465% nas prescrições desses compostos entre 2009 e 2015, conforme antecipou a coluna de Ancelmo Gois no GLOBO.

Entre as hipóteses elencadas por especialistas para explicar o crescimento significativo estão a eficácia dos tratamentos oncológicos, a ineficiência para suspender a medicação de pacientes que recebem alta, e a falta de critérios para prescrever a substância. Esses remédios, muitas vezes, também são utilizados para tratar dores de coluna, enxaqueca, entre outras. Mas, além de causar dependência, o abuso da droga pode levar à morte.

panorama da droga

De acordo com o estudo, liderado por Francisco Inácio Bastos, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o número de vendas de opiáceos no Brasil, em farmácias registradas, em 2009, era de 1.601.043; em 2015, a marca chegou a 9.045.945. Os dados foram fornecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A venda desses analgésicos no Brasil é condicionada à apresentação de receita médica, e as substâncias também podem ser ministradas em ambientes hospitalares.

O levantamento mostra que a prescrição de codeína, que serve para o tratamento de dores moderadas, é a mais comum no Brasil, correspondendo a cerca de 98% dos registros pela Anvisa. Essa também foi a droga que apresentou maior aumento absoluto no número de receitas (veja o gráfico ao lado). Também foi registrado o uso de oxicodona e fentanil.

COMÉRCIO ILEGAL

Os pesquisadores chamam a atenção para a necessidade de acompanhar também o uso dessas drogas sem prescrição médica, potencializado, sobretudo, pela internet.

— Não acho que vá ser um problema a curto prazo, mas temos que ficar alertas em relação à prescrição, ela tem que ser criteriosa. Além disso, é preciso ficar atento em relação à comercialização ilegal na internet — destaca Bastos.

O pesquisador explica que o aumento nas receitas, por um lado, é fruto de mudanças positivas, como a evolução dos tratamentos de câncer, que faz com que os pacientes vivam mais, gerando maior demanda por medicamentos que minimizem dores. O que também se aplica às enfermidades reumáticas, como o lúpus. Por outro lado, porém, evidencia algumas falhas do sistema de saúde.

— Há uma dificuldade em fazer o “desmame” do medicamento em pessoas que passaram por uma hospitalização e receberam alta. A retirada mal conduzida do medicamento acaba gerando dependência — diz.

Para Ilona Szabó, diretora do Instituto Igarapé — que organizou o evento “Precisamos falar sobre drogas: prevenção para crianças e adolescentes”, onde a pesquisa foi apresentada, ontem, no Rio —, é preciso trabalhar desde já para evitar que o quadro chegue a uma situação crítica como acontece nos EUA, onde Donald Trump decretou o uso de opiáceos uma emergência de saúde pública.

— Quando se fala em drogas, só se pensa na droga ilícita, mas, nos Estados Unidos, por exemplo, o maior número de overdoses é por drogas prescritas. Precisamos acompanhar a evolução do consumo e entender o perfil dos usuários para evitar um problema maior no futuro. No Brasil, atacamos o problema apenas quando ele está num nível mais grave, seja no âmbito da saúde ou da segurança pública. Mas, se não tivermos capacidade de olhar para a prevenção, não vamos parar de enxugar gelo.

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