Mentira tem perna curta

Precisamos debater modelos de regulação das drogas

 

26/06/2018

Por Ana Paula Pellegrino

Publicado originalmente por O Globo

Já está mais que comprovado que mentir sobre drogas não é o caminho para prevenir seu abuso. Pessoas desinformadas com informações erradas tomam decisões piores do que aquelas que têm informações de qualidade. É, no mínimo, contraproducente a propaganda veiculada pelo Senado Federal em suas redes sociais na semana de conscientização sobre o tema que traz mentiras sobre maconha que qualquer adolescente sabe não ser verdade.

O efeito de uma campanha mentirosa é não só inócuo, mas desastroso. E as redes sociais não perdoam: a resposta é rápida e incisiva.

A maconha tem diferentes efeitos dependendo da concentração de CBD e THC, bem como do indivíduo que a consome. Mas não é verdade que cause alucinações ou morte, nem agressividade. E é até usada como remédio por quem está fazendo tratamento contra câncer e muitas outras doenças.

Nossos políticos têm medo de quebrar o tabu. Eles temem o aumento do consumo de drogas na população e do número de pessoas dependentes dessas substâncias. Não temos dados recentes do Brasil: o último levantamento nacional sobre uso de drogas continua embargado pelo Ministério da Justiça desde o ano passado, mas relatórios das Nações Unidas mostram um aumento anual no número de consumidores a nível global, bem como na quantidade de drogas produzidas. Podemos supor que o mesmo tenha ocorrido no Brasil desde 2005, último ano apurado.

Mas o medo e o tabu impedem que nossos políticos enxerguem que o caminho para nos tornar uma sociedade mais segura e saudável passa pela reforma de nossa política de drogas. E há vários países nas Américas já fazendo isso, a começar pela descriminalização do consumo de drogas. Considerar o uso de drogas um crime nunca impediu ninguém de experimentar ou usar regularmente nenhuma substância ilícita, mas trouxe consequências adversas como a dificuldade no acesso a tratamento e a falta de investimento em prevenção. Também precisamos entender que a maioria das pessoas que usa drogas não tem maiores problemas. É sobre a minoria, que abusa ou desenvolve dependência, que nossos esforços de saúde devem se concentrar.

Não paramos por aí: regulamentação da maconha medicinal, aplicação de penas alternativas para pequenos e micro traficantes, disponibilidade de tratamento público para pessoas com problemas com drogas e instalação de políticas e programas de redução de danos são outros passos necessários. Em última instância, precisamos debater como o Estado pode retomar o controle sobre esse lucrativo mercado, que hoje está na mão de organizações criminosas, que não têm a saúde e o bem-estar da população em mente na hora de montar suas operações.

Para isso precisamos debater modelos de regulação das drogas.

O Senado Federal, assim como qualquer instituição pública, não deveria circular falsidades, mas combatê-las. Não há desculpas: temos acesso sem precedente a uma quantidade enorme de informações de qualidade sobre essa e outras drogas, bem como sobre os efeitos nocivos da nossa atual política.

Informação de qualidade, criação de laços de confiança e incentivos para tomada de decisões responsáveis por parte de jovens e adolescentes são o que funciona para prevenir abuso de drogas.

E informação é o que não falta. Um exemplo é o Monitor de Política de Drogas nas Américas, que informa sobre as leis de cada país e políticas inovadoras que já vêm sendo adotadas na região. Se nossos políticos continuarem a ignorá-las, apostando no medo, além de comprometer sua reputação, perderão a chance de liderar a construção de uma política de drogas que funcione e coloque a saúde e a proteção das pessoas em primeiro lugar.

Ana Paula Pellegrino é pesquisadora do Instituto Igarapé

The Igarapé Institute uses cookies and other similar technologies to improve your experience, in accordance with our Privacy Policy and our Terms of Use, and by continuing to browse, you agree to these conditions.

O Instituto Igarapé utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência, de acordo com a nossa Política de Privacidade e nossos Termos de Uso e, ao continuar navegando, você concorda com essas condições.

Pular para o conteúdo