Ana Paula Pellegrino e Dandara Tinoco: Na saída da prisão, a entrada no trabalho

No Rio de Janeiro, empresas que instalam linhas de produção dentro de unidades prisionais têm custos operacionais, como contas de água e energia, pagos pelo estado. Adicionalmente, a Lei de Execução Penal, que rege o trabalho de presos, determina que a remuneração do trabalho do preso pode ser inferior a um salário mínimo

 

Por Ana Paula Pellegrino e Dandara Tinoco

Publicado no O Dia

Depois de quase seis anos, Maria deixou a prisão. Durante o período em que estava presa, conseguiu fazer cursos profissionalizantes e ser selecionada para trabalhar. Ela é uma exceção e sabe disso. Em liberdade, diz ter muitas esperanças e um medo: o de que o marido, também em processo de reintegração, continue sem conseguir emprego e “volte a fazer besteira”. Maria é um nome fictício para uma história real e que deveria preocupar a todos nós.

No Estado do Rio, apenas 1,7% dos 52 mil presos trabalham com remuneração. Embora não existam estatísticas oficiais sobre o número de egressos empregados, desafios relacionados a sua inserção no mercado são conhecidos. O trabalho desse público está relacionado à autonomia financeira, remição de pena e reintegração. Assim, tem importância pelo potencial de construir caminhos alternativos à reincidência.

Diferentes segmentos sociais podem se beneficiar com a expansão de atividades laborais para indivíduos que estão ou estiveram privados de liberdade. Para os presos, de acordo com leis brasileiras e normas internacionais, o trabalho na prisão deve ser uma oportunidade de desenvolver habilidades profissionais e sociais. A renda em decorrência do emprego, por sua vez, pode mitigar o desequilíbrio financeiro de famílias afetadas pela prisão de um de seus integrantes. No caso dos egressos, o trabalho diminui sua vulnerabilidade e garante que tenham acesso à moradia, por exemplo. Isso pode se traduzir na quebra do ciclo de violência, o que beneficia toda a sociedade.

Há possibilidade de impactos positivos também para a administração penitenciária. A cada três dias de trabalho, o preso tem um dia de pena descontado, o que tem consequências em relação à diminuição na sobreocupação das unidades prisionais. Há relatos também de efeitos positivos de atividades laborais na convivência entre presos.

Para estimular empresas e órgãos públicos, existem incentivos econômicos. No Rio de Janeiro, empresas que instalam linhas de produção dentro de unidades prisionais têm custos operacionais, como contas de água e energia, pagos pelo estado. Adicionalmente, a Lei de Execução Penal, que rege o trabalho de presos, determina que a remuneração do trabalho do preso pode ser inferior a um salário mínimo, desde que não fique abaixo de 3/4 desse valor. Contratantes de presos e egressos mencionam também como vantagem ganhos de responsabilidade social.

As condições de nossas unidades prisionais fazem com que pessoas em contato com o sistema penitenciário tenham demandas de saúde, educação e documentação. Com frequência, elas antecedem a questão do emprego. Portanto, em primeiro lugar, fortalecer o acesso a esses serviços é fundamental. Mas, em relação ao aumento e melhora das oportunidades de trabalho dos presos e egressos, o poder público tem também outras tarefas, como ampliar iniciativas de capacitação social e técnica, buscar ativamente potenciais contratantes, manter um cadastro de suas habilidades laborais atualizado e garantir a transparência dos critérios para determinar os presos habilitados para trabalhar, por exemplo.

Tais ações podem beneficiar toda a sociedade, que deve reconhecer a importância dessas medidas e cobrá-las. Buscar histórias positivas de contratação de presos e egressos e multiplicá-las é outro exemplo de como todos podem participar desses avanços. A partir de mudanças em trajetórias individuais como a de Maria e de seu marido, é possível gerar impacto coletivo.

 

Ana Paula Pellegrino é pesquisadora do Instituto Igarapé

Dandara Tinoco é assessora em Comunicação e Pesquisa do Instituto Igarapé

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