Vamos falar abertamente sobre drogas com os jovens?
Faltam dados atualizados sobre consumo no Brasil, mas sobram pesquisas científicas que ajudam a definir estratégias de prevenção ao uso de drogas
Por Ilona Szabó e Ana Paula Pellegrino
Publicado originalmente no Nexo
Uma política de drogas eficaz deve colocar a proteção, em especial da juventude, em primeiro lugar. Quando falamos de jovens, é importante evitar ou pelo menos adiar ao máximo o início da experimentação e uso de drogas até seu desenvolvimento neurológico se completar. Porém, também precisamos preparar nossos jovens para o mundo real, onde frequentemente irão se deparar com substâncias lícitas e ilícitas, para que, se decidirem usar, não abusem delas ou venham a desenvolver uma dependência. Investir em prevenção, portanto, é essencial. Contudo, faltam no Brasil programas de prevenção baseados no que a ciência já sabe que funciona.
Também nos faltam dados atualizados sobre consumo de drogas – a última pesquisa nacional foi publicada em 2005. A de 2015, já pronta para ser distribuída, está embargada no Ministério de Justiça por motivos ideológicos. Mas partes do trabalho, premiado até pelo NIDA, instituto dos Estados Unidos sobre abuso de drogas, vêm sendo editadas pela equipe em artigos acadêmicos. Chama atenção o crescimento de 465% de prescrições médicas de opiáceos no Brasil entre 2009 e 2015 – indicador que foi o primeiro sinal da crise de saúde pública que matou mais de 20 mil pessoas de overdose nos Estados Unidos em 2016. São mortes que poderiam ter sido evitadas, se o abuso dessas substâncias tivesse sido prevenido.
Especialistas do mundo todo afirmam existirem estratégias de prevenção específicas para cada faixa etária e para cada contexto. Explicam que, na hora de proteger jovens, cada um – pais, professores, escola – tem seu papel. Mas alertam: intervenções baseadas em medo não têm resultados positivos. Ao apostar na desinformação e no medo, adultos ficam sem ter o que falar para jovens quando estes se deparam com o fato inevitável de que muitas pessoas consomem drogas. Usamos álcool para comemorar, como recreação e até como medicamento. Usamos cafeína para aumentar nossa energia e remédios comprados com ou sem receita para alterar nosso humor e nos ajudar a trabalhar, estudar e dormir.
Mas, afinal, o que dizer aos adolescentes sobre drogas, lícitas ou ilícitas? Para formar jovens seguros, capazes de tomarem conta de si mesmos, precisamos muní-los com informações honestas e não apostar no caminho do preconceito, do estigma, alarmismos e da falta de informação. Dizer “diga não” nunca bastou. Além de entender os efeitos e riscos de cada substância, os adolescentes também precisam estar cientes das políticas de drogas – no Brasil, por exemplo, diferentemente do que acontece em outros países da região, ainda é crime usar drogas e há consequências legais para os envolvidos.
Precisamos de uma estratégia que construa relações de confiança entre adolescentes e adultos ao seu redor. Outra ferramenta importante para prevenção é o desenvolvimento de habilidades socioemocionais dos adolescentes. Pais e professores precisam ouvir o que eles têm a dizer sobre a vida e seus próprios sentimentos, se educar sobre os efeitos fisiológicos, psicológicos e sociológicos do álcool e de outras drogas, e, finalmente, agir e ajudar, caso vejam que seus filhos e alunos estão tendo problemas com drogas.
Sabemos que não é fácil, por isso preparamos materiais, e guias para apoiar pais, professores, adolescentes, e todos os interessados em aprender mais e aplicar na prática o que as evidências mostram funcionar. Reunimos também informações sobre leis e políticas de cada país, importante base para conversar sobre o tema com jovens. Estendemos a todos um convite para embarcarmos juntos nessa jornada. Dessa forma, poderemos construir uma sociedade mais segura e saudável para todos, protegendo nossos jovens de modo eficaz, sem hipocrisia, medo ou tabus, mas com muita confiança, amor e orientação.
Ilona Szabó de Carvalho é diretora-executiva do Instituto Igarapé
Ana Paula Pellegrino é pesquisadora do Instituto Igarapé