Uma agenda para um Brasil mais seguro

Por Robert Muggah e Ilona Szabó.

Para Exame CEO.

 

Uma das prioridades para os brasileiros nas eleições de 2018 é a segurança pública. Assim como o fim da corrupção e o fortalecimento da economia, essa é comumente apontada como uma das questões mais importantes por todos os eleitores. E por uma razão fundamental, fácil de entender. No ano passado, 63 880 brasileiros foram assassinados — 46 000 com armas de fogo. De cada 100 vítimas de homicídios no mundo, cerca de 10% são brasileiros. Por aqui, mais de 80% dos cidadãos têm medo de ser assassinados nos próximos 12 meses. O que contribui para tornar a situação ainda mais grave é que só cerca de 20% desses crimes são esclarecidos e em menos de 10% dos casos seus autores são condenados. Ou seja, no Brasil, o custo do assassinato é baixo para quem comete.

Ainda que todos os brasileiros estejam sujeitos ao risco de perder a vida por causa do crime organizado e desorganizado, nem todas as vítimas são iguais. De fato, a violência crimina está distribuída de maneira desigual no país. Três de cada quatro vítimas fatais no Brasil são jovens negros. Mulheres negras também são dramaticamente mais sujeitas a ter uma morte violenta do que brasileiras brancas. Brasileiros negros correm um risco muito maior de morrer pela violência em todos os estados, independentemente de sua situação socioeconômica. E essa é a causa principal de morte entre adolescentes brasileiros.

Os custos econômicos dos crimes violentos são enormes. Estudo recente divulgado pela Presidência da República mostrou que, em 1996, eles custaram aproximadamente 113 bilhões de reais para a economia brasileira. Em 2015, esse valor subiu para 285 bilhões de reais, o equivalente a 4,5% do PIB. A eles devem ser somados os prêmios dos seguros cada vez mais pesados, a perda de receitas com o turismo e muitas outras coisas. Tais gastos são improdutivos e correspondem a um imposto pago por todos os brasileiros.

Os candidatos à Presidência concordarão em um ponto: os esforços feitos no passado para promover a segurança pública não tiveram os resultados que haviam sido propalados. Isso não significa que a questão da segurança tenha sido inteiramente negligenciada. Os governos anteriores colocaram parcialmente em prática planos nacionais. Embora diferissem em alguns aspectos, todos esses planos enfatizavam essencialmente os mesmos remédios básicos — polícia, penas e prisões. Com algumas notáveis exceções, inclusive inovações em São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Pernambuco, os estados demoraram a agir com rigor para conter a criminalidade.

Há importantes diferenças nas propostas dos candidatos à Presidência de 2018 para sanar a crise da segurança pública no Brasil. Alguns anunciam soluções simplistas — como a repressão no estilo linha-dura. Outros são mais ponderados e apresentam abordagens mais abrangentes, que procuram equilibrar o uso mais eficiente da polícia e a Justiça criminal juntamente com a prevenção. Essas diferenças são extremamente importantes, e cada cidadão deve estudar as propostas de seu candidato.
Uma coisa é certa — cada estratégia deve se pautar por dados e evidências sólidas. Seria o cúmulo da irresponsabilidade basear as estratégias no campo da segurança pública na retórica, na intuição e nas boas intenções.

O Instituto Igarapé, juntamente com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e a orga-
nização Sou da Paz, convocou especialistas nacionais para falar das prioridades que con-
sideram mais importantes — e de resultados mais concretos — nesta área. A “agenda nacional sobre segurança pública”, divulgada recentemente, apresenta sete estratégias fundamentais para corrigir os atuais desvios de curso.

Essas estratégias não foram escolhidas ao acaso: cada uma das propostas foi estudada por especialistas, com base nas melhores pesquisas empíricas disponíveis e na avaliação dos resultados alcançados.

Isso porque acreditamos que as medidas nessa área precisam ater-se ao mesmo padrão de evidências das estratégias colocadas em prática nos campos da saúde pública, educação ou bem-estar social.

1a ação

A primeira prioridade identificada é o aperfeiçoamento da gestão geral e da organização do setor em níveis federal, estadual e municipal. O novo Sistema Único da Segurança Pública é um passo na direção certa, ao atribuir papéis e responsabilidades claramente definidos a relevantes entidades da segurança pública. O mesmo se pode dizer do novo Ministério da Segurança Pública, que pela primeira vez coordena as estratégias nacionais e estaduais e os recursos para o controle da criminalidade, a prevenção da violência, a gestão da polícia e dos serviços de inteligência, o controle de armas e a supervisão do setor de segurança privada. Além disso, a formação de uma nova Escola Nacional de Segurança Pública é fundamental para garantir a contínua profissionalização de seu pessoal no Brasil.

2a ação

A segunda prioridade é o combate ao crime organizado. Essa política exige um alto grau de coordenação entre diferentes setores — polícia, Judiciário, Ministério Público e instituições financeiras essenciais. É fato que o poder e a influência dos grupos do crime organizado no Brasil estão crescendo, e isso exigirá uma ação forte e concentrada do Estado para minar seu controle territorial e o domínio dos mercados ilegais.

O próximo governo deveria criar um Conselho Nacional de Inteligência sobre o Crime Organizado, nos moldes do Conselho das Atividades Financeiras (Coaf), com o objetivo de combater as organizações criminais.

3a ação

O próximo governo deve pôr fim à impunidade. Isso significa melhorar a qualidade das investigações criminais, dotar a polícia e as autoridades da Justiça criminal de equipamentos adequados e fazer com que o sistema judiciário seja responsável por seu desempenho. Mais importante ainda, significa reconhecer o papel fundamental e o valor da polícia, e garantir que ela disponha de recursos humanos, tecnológicos e financeiros suficientes para atuar. Isso inclui o treinamento da polícia no serviço de inteligência, o acesso ao mapeamento digital do crime em tempo real, a criação de plataformas de vigilância apropriadas e o equilíbrio correto dos incentivos profissionais para garantir uma atenção constante ao serviço público — na comparação com o privado.

4a ação

O Brasil precisa absolutamente reforçar o controle sobre o sistema prisional. Entre 2006 e 2016, a população nas penitenciárias cresceu 180% — é a terceira maior população carcerária do mundo em números absolutos. Entretanto, esse aumento não se traduziu em uma queda de crimes violentos e não violentos. Penas alternativas serão necessárias para reduzir o número e o fluxo de novos detentos. Por outro lado, para diminuir o domínio do crime organizado e a reincidência dos crimes, as condições das prisões terão de ser melhoradas. As estratégias que oferecem suporte à reabilitação dos detentos dentro e fora das prisões poderão interromper o ciclo de detenções em massa e a formação de “escolas do crime”. Igualmente importantes são as intervenções para quebrar o controle das prisões exercido pelas facções criminosas, assim como medidas para reduzir a corrupção, a introdução de videomonitoramento, scanners e bloqueadores de celulares.

5a ação

Será preciso realocar os recursos destinados à prevenção. Uma estratégia de longo prazo para reduzir a violência criminal deve se concentrar na prevenção inteligente — principalmente entre crianças, adolescentes e jovens. Os estados e as prefeituras têm um papel de grande importância a desempenhar — principalmente no que diz respeito à atenção à primeira infância, para reduzir o abuso e a exposição à violência. A escola e os programas pós-escola são básicos para manter os jovens no ambiente escolar e fora das gangues. São essenciais os investimentos específicos para a revitalização dos bairros prejudicados por um acúmulo de desvantagens — principalmente a desigualdade social e econômica, o subemprego e o desemprego, núcleos familiares e estruturas familiares fracas, exposição ao álcool, às drogas e às armas de fogo. Entretanto, os gastos atuais nesse setor são insignificantes — e terão de aumentar sem demora para o Brasil evitar a perda de outra geração de cidadãos para a criminalidade e a vitimização.

6a ação

O Brasil precisa reformar drasticamente sua legislação sobre drogas. Para ser eficiente, o novo governo precisará combater com firmeza o narcotráfico, desmantelando os sistemas de lavagem de dinheiro. Ao mesmo tempo, as estratégias destinadas à política contra o tráfico deverão se basear em realizações efetivas no campo da saúde pública, dos direitos humanos e do desenvolvimento social. No mínimo, o consumo de drogas deve ser imediatamente descriminalizado e os usuários devem ser reorientados para sair do sistema da Justiça criminal. As apreensões de usuários são ineficientes e representam desperdício. Também será indispensável a adoção de critérios objetivos para diferenciar usuários de traficantes, assim como as estratégias psicossociais e as relacionadas à saúde em razão do abuso de drogas.

7a ação

O foco de toda estratégia de segurança pública no Brasil terá de ser a redução da violência homicida. Isso significa priorizar a queda do número de assassinatos — e o estabelecimento de objetivos ousados. Um declínio de 7,5% ao ano em uma década significaria baixar literalmente pela metade o número de homicídios no país. A estratégia precisa ser acompanhada por programas práticos — como policiamento de manchas criminais e medidas para dar apoio aos jovens em risco, implementação da Política Nacional de Controle de Armas de Fogo e Munições, um esforço maior no combate ao tráfico de armas nacional e internacional, a criação de equipes estaduais de rastreamento nacional das armas e munições apreendidas, e o fortalecimento das capacidades da inteligência da polícia para essa finalidade.

Em síntese: a reformulação de um sistema de segurança pública falido é possível, mas não será fácil. Os que pensam de outra forma são ignorantes, mentirosos ou ambas as coisas.

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