Um olhar para o começo da vida

Combater alta dos homicídios passa por medidas voltadas a infância e juventude

11/04/2018
Por Ilona Szabó
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo

A intolerável colocação do Brasil no primeiro lugar em números absolutos de homicídios no mundo faz com que especialistas em segurança pública reivindiquem há décadas um olhar prioritário do governo e da sociedade para as mortes violentas. Hoje, neste espaço, chamo atenção para um tema muitas vezes preterido pelo debate público: para reduzir mortes, é preciso que olhemos prioritariamente para o começo da vida, ou seja, para as crianças e os jovens. Isso significa, em termos práticos, apostar em estratégias que incidam sobre a violência letal bem antes que ela ocorra.

 

Chega a 61 mil o número de pessoas assassinadas em nosso país todos os anos. Ou seja, sete brasileiros e brasileiras são mortos violentamente a cada hora. Os homicídios se concentram de forma desproporcional em determinados lugares e grupos populacionais. Do total de vítimas, quase 70% têm entre 15 e 19 anos. Desses jovens, a maioria são do sexo masculino e negros.

 

Por si só, os números indicariam a necessidade de atenção à nossa juventude. Tal urgência fica ainda mais evidente ao revisarmos estudos sobre o que funciona e o que não funciona para diminuir níveis de homicídios. Eles demonstram uma maior eficiência de políticas e programas que vão além do foco em policiamento, concentrando-se também na prevenção. O impacto é especialmente alto quando se tratam de intervenções voltadas para crianças e adolescentes.

 

Entre as estratégias cuja eficácia está amparada por evidências estão as voltadas para o desenvolvimento na primeira infância e de habilidades parentais, com objetivo de fortalecer a relação entre crianças e seus responsáveis, criando famílias mais estáveis. Estão incluídos também políticas e programas voltados para o emprego juvenil. A criação de espaços públicos que possam contribuir para a convivência saudável entre adolescentes e o estabelecimento de relações pacíficas, com o apoio de metodologias já testadas, também é fundamental.

 

Nesse sentido, uma experiência com forte potencial vem sendo implementada no Nordeste do Brasil, em Recife. O Centro Comunitário da Paz (Compaz), cujas duas primeiras unidades foram inauguradas pelo município em 2016 e 2017 em áreas de alta vulnerabilidade social, colocam à disposição de jovens atividades esportivas, biblioteca, aulas de idiomas, reforço escolar e capacitação para geração de renda. Os centros oferecem também serviços judiciários, como a mediação de conflitos. O foco dos espaços não é somente promover inclusão social, mas também fortalecer relações comunitárias. Para isso, a interlocução com moradores das duas regiões onde o Compaz foi instalado vem sendo crucial.

 

Mais iniciativas que olhem para o começo da vida de brasileiros e brasileiras são urgentes não apenas pelo fato de a nossa juventude estar sendo brutalmente vitimada, mas também porque isso apresenta uma relação de custo-benefício alta. Para avançar nessa abordagem, precisamos de lideranças fortes, em especial prefeitos e governadores, dispostos a desenvolver e implementar planos integrais de prevenção e redução de violência que levem em consideração quais populações estão em situação de maior vulnerabilidade. Parte indispensável desse processo é que autoridades e cidadãos deixem de olhar jovens apenas como parte do problema. Enxerguemos que eles também são parte elementar da solução.

Ilona Szabó de Carvalho

Cientista política fluminense, é mestre em Estudos de Conflito e Paz por Uppsala.

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