Sobrevivendo à era da incerteza
Vivemos um período de turbulências, desilusões e perplexidade. O agravamento de tensões geopolíticas transformou as relações internacionais. Em cada país, o tribalismo político deixa profundas feridas. A proliferação de tecnologias subverte premissas já consolidadas sobre segurança, política e economia.
O ritmo das transformações torna qualquer planejamento quase impossível. Os impactos no mercado financeiro são sem precedentes. Com a maior interdependência das cadeias de produção globais, obstáculos locais podem ter ramificações em escala planetária. No mundo conectado, as soluções para os problemas transnacionais parecem cada vez mais distantes.
Três décadas fazem muita diferença. Em 1989, o progresso da humanidade parecia inexorável. A internet prenunciava uma nova era de avanços. A nova comunidade digital deixaria o mundo menor, construiria redes de solidariedade, ampliaria a liberdade de expressão e fomentaria movimentos políticos e sociais.
Com a queda do Muro de Berlim e o colapso do império soviético, princípios e valores da democracia liberal seriam amplamente difundidos, acelerando o fim da história.
Hoje o potencial libertador da internet e da democracia soa um tanto ingênuo. Utopias à parte, o que se seguiu foi um mundo tomado por graves adversidades –poucas delas com impactos mais contundentes do que o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 e a subsequente guerra ao terror; a intervenção no Iraque, liderada pelos EUA; e a crise financeira de 2008, o maior colapso econômico da história, que se espalhou mais rapidamente do que a Grande Depressão, pondo fim à ilusão de que a instabilidade financeira era algo do passado.
Uma onda virulenta de sectarismos provocou o advento do brexit e de Trump. Em forte contraste com o espírito otimista dos anos 1990, hoje é difícil saber o que vai acontecer. A ansiedade deu lugar à prepotência. E o ritmo das mudanças tecnológicas torna virtualmente impossível prever quais tipos de ameaça o futuro próximo nos reserva.
A implacável propagação de novas tecnologias –da inteligência artificial à biotecnologia– é, a um só tempo, fascinante e assustadora. Há o temor de que a automação provoque o desemprego em massa e os algoritmos possam destruir a democracia.
Em 2019, enfrentaremos uma verdade incômoda. Por mais que existam motivos para ser otimista em relação ao futuro (principalmente se você é asiático), o grau de interdependência e a velocidade do momento histórico tornam mais difícil, e não mais fácil, contornar os problemas mundiais que virão pela frente, das mudanças climáticas ao risco de pandemias.
Para piorar, os partidos políticos estão em crise. Muitos continuam atrelados a um paradigma ultrapassado, que enxerga o mundo como esquerda versus direita ou capitalismo versus socialismo. Muitos políticos apelam para fantasias nostálgicas. Se os partidos não se reinventarem radicalmente, a democracia liberal corre o risco de se tornar obsoleta. Diante de tanta incerteza, muitas lideranças se sentirão tentadas a parar o relógio, oferecer soluções simplistas e recorrer ao passado.
O futuro sempre foi incerto. O pêndulo da história não é nem ético nem justo. Sempre existiram múltiplas narrativas, algumas mais sonoras que outras. Para avançar, precisamos acomodar uma pluralidade de visões e valores e encontrar maneiras de unir esforços para combater ameaças comuns. Para quem reclama que a tarefa é árdua, é melhor arregaçar as mangas: todos precisamos compreender mais e temer menos.
Nessa nova era de incertezas, precisamos saber nos orientar em meio a essa complexidade, o que significa ter uma visão de longo prazo. Isso exige aprimorar o nível de análise crítica, dominar o universo digital e reforçar a capacidade de resiliência. Em 2019, já não teremos mais o privilégio da complacência.
Robert Muggah
Diretor de pesquisa do Instituto Igarapé, especializado em segurança pública