Inovação para reduzir a violência
Campeão em assassinatos, país é laboratório de inovação no combate a homicídios
25/04/2018
Por Ilona Szabó
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo
Mais de 550 mil brasileiros foram assassinados na última década. No entanto, mesmo com estatísticas assustadoras, o Brasil é um laboratório de inovação quando se trata da redução de crimes violentos.
A cidade de São Paulo viu reduções drásticas nos assassinatos, que caíram de 52,5 por 100 mil habitantes, em 1999, para apenas 6,1 por 100 mil nos dias de hoje. Pesquisadores atribuem a redução a uma combinação de fatores estruturais, à reforma da polícia, ao controle de armas, a restrições ao consumo de bebidas —no caso de Diadema— e até à “Pax Mafiosa” com o PCC. As mais importantes intervenções envolveram a mobilização de unidades de polícia comunitária para trabalhar em áreas perigosas, novas diretrizes sobre o uso de força, mapeamento de crimes com base em dados, prêmios por bom desempenho, treinamento técnico e em direitos humanos, melhorias nas investigações e coordenação entre as polícias Militar e Civil.
Lançado em 2007, o Pacto pela Vida, em Pernambuco, um dos estados mais violentos do país, foca o diálogo entre governo, setor privado e organizações não governamentais. O objetivo é prevenir e reduzir a violência letal, fortalecer o desempenho policial e garantir o respeito aos direitos humanos. Até 2013, os homicídios caíram 33%. Mas, após a morte do governador Eduardo Campos, que apoiava a iniciativa, os assassinatos dispararam 58% entre 2015 e 2017. Há, no entanto, esforços para reverter esse quadro.
Em Belo Horizonte, o Fica Vivo começou em 2004, tendo recebido suporte das autoridades estaduais e municipais das regiões metropolitanas de Minas Gerais. Baseado na estratégia liderada pela comunidade, combinou o policiamento focalizado, participação dos moradores e os programas sociais para reduzir atividades criminosas e de gangues. Avaliações feitas em 2008 e 2010 detectaram uma redução de 69% nos homicídios nas áreas beneficiadas. Especialistas ligados ao programa creditam o sucesso a uma liderança corajosa, a abordagens baseadas em dados, ao foco em áreas com alto índice de criminalidade, à participação da comunidade e a programas preventivos em escolas.
No Rio de Janeiro, atribui-se a dois programas a redução da violência letal, entre 2009 e 2015. O primeiro foi o sistema de metas estadual para as polícias Civil e Militar, que criou metas de redução de crimes letais e não letais. O segundo são as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que convocaram 9.000 novos policiais, lotados em 38 áreas da região metropolitana. Entre 2009 e 2015, os índices de homicídio da capital despencaram 56%, apesar de terem voltado a subir em 2016, em meio a escândalos políticos, crise econômica e lideranças enfraquecidas. Além de não tratar questões socioeconômicas sistêmicas, o programa foi muito criticado em razão de abusos cometidos por alguns policiais das UPPs.
Esses são alguns das dezenas de programas de policiamento, de justiça criminal e de prevenção que o Instituto Igarapé documentou no país desde 1990. Todos têm características comuns que explicam sucessos e retrocessos. Têm resultados positivos as estratégias com visão e ação integradas, com base em bons diagnósticos, orientadas por metas e concentradas em locais, grupos e comportamentos mais vulneráveis à violência. A liderança de autoridades e parcerias com a sociedade também são cruciais. Dentre os desafios, estão o baixo financiamento e a descontinuidade das políticas públicas. Sabemos o que funciona. Podemos, enquanto sociedade, exigir que os compromissos se mantenham para além de ciclos eleitorais. Só assim vamos virar o jogo da violência.