Convivência e segurança pública

Espaços públicos fortalecem relações sociais que podem reduzir a violência
12/08/2018
Por Ilona Szabó
Originalmente publicado na Folha de S.Paulo

 

 

Há pouco mais de uma semana, lidamos com a angústia de ter assistido a parte importante de nossa história consumida pelo fogo que destruiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Pessoas desconsoladas compartilharam relatos sobre os laços emocionais, não apenas com a coleção de artefatos históricos e o prédio imperial, mas também com a Quinta da Boa Vista, parque municipal que abriga o museu e que há tempos sofre com a falta de investimentos e com a baixa visitação. E o que isso pode ter a ver com segurança pública?

As memórias associadas ao espaço público ocorrem em um contexto dramático, mas servem de lembrança sobre a importância dessas áreas. Pode não ser óbvio, mas isso tem tudo a ver com a construção de uma sociedade menos violenta. Espaços públicos aumentam o contato social e nos tornam conscientes dos nossos interesses compartilhados e da nossa humanidade comum. De forma mais objetiva, eles aumentam o número de pessoas na rua e o custo de alguém ser pego ao cometer um crime.

Parques como a Quinta da Boa Vista, no Rio, o Parque do Carmo, em São Paulo, os da Cidade, em Brasília e em Salvador, ou o Redenção, em Porto Alegre, possibilitam a interação entre moradores. É importante ressaltar que convivência não é sinônimo de segurança pública. Porém, elas são codependentes: você não pode ter uma sem a outra.

Vivemos, no Brasil e no mundo, um processo de urbanização acelerada e, em muitos lugares, desordenada, cujos efeitos nocivos incluem a desorganização estrutural e do tecido social de nossas cidades e o afastamento de indivíduos que pertencem a diferentes grupos sociais. A tendência é que, com espaços de interação reduzidos, se desgastem também os laços entre essas pessoas. Nesse contexto, parques, praças, calçadões e ginásios têm papel chave no fortalecimento da sociabilidade. Preservá-los e torná-los dinâmicos e atrativos é agenda de política pública de organizações da sociedade civil e movimentos cívicos como o Agora.

Espaços públicos possuem especial potencial na prevenção da violência relacionada a jovens. Muitas vezes se afirma que precisamos ocupar crianças e adolescentes para tirá-los das ruas, mas pode ser mais eficaz se tornarmos as ruas seguras para que eles as ocupem. Áreas de convivência e lazer com atividades esportivas e culturais, localizadas em regiões mais vulneráveis à violência, são propícias para o desenvolvimento de experiências relacionadas à coletividade. Investimentos em infraestrutura, com garantia de iluminação e coleta regular de lixo, também são importantes.

Na contramão do que indicam experiências internacionais bem-sucedidas, no Brasil, de forma geral, ainda apostamos na segregação de espaços e pessoas como solução para a segurança pública. Construímos muros, instalamos grades e investimos em segurança privada. Limitamos cada vez mais experiências ligadas a lazer, educação e trabalho a áreas particulares, com a falsa esperança de estarmos mais protegidos.

Segregação é terreno fértil para o medo e para o preconceito. Convivência entre indivíduos de diversos bairros, classes, idades, raças, cores e sotaques, por outro lado estimulam a criação de laços fundamentais para termos mais segurança. A destruição de parte importante de um espaço público tão simbólico para o nosso país, como a Quinta da Boa Vista, serve de alerta para o cuidado que precisamos dedicar a essas áreas. Cidadãos, em especial crianças e adolescentes, precisam delas para conviver com a diversidade, construir vínculos e novas memórias.

Ilona Szabó de Carvalho

Diretora-executiva do Instituto Igarapé, mestre em estudos de conflito e paz pela Universidade Uppsala (Suécia).

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