O desafio das facções para o próximo presidente. E os planos de governo

02/09/2018

Por André Cabette Fábio

Publicado originalmente no Nexo

 

O ano de 2017 foi marcado por 63.880 mortes violentas, segundo registros das polícias compilados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Pesquisadores que encabeçam instituições que contabilizam as mortes indicam que o acirramento de conflitos entre facções em várias partes do Brasil ajuda a explicar o aumento da violência letal.

As facções são tema de uma série de entrevistas com pesquisadores, feita pelo Nexo nas últimas semanas. Os membros desses grupos formam redes de grande alcance geográfico, ampliadas por alianças por todo o país. Por isso, desavenças entre facções em uma região têm potencial de repercutir em outras.

Pesquisadores têm apontado a ruptura entre Comando Vermelho e PCC em 2016, relacionada a disputas na fronteira do Paraguai, como um marco inicial para o acirramento da violência no mundo do crime, que hoje atinge também estados do Norte e do Nordeste, como Ceará, Amazonas e Acre. A violência entre facções ganhou contornos federais e será, portanto, um desafio para o próximo presidente.

O tema é abordado por alguns dos programas de governo dos candidatos. Poucos deles falam, no entanto, especificamente em “facções”. A maioria usa os termos “crime organizado” ou “organizações criminosas”. Esses termos englobam também associações criminosas com dinâmicas muito diferentes, como grupos focados em desvio de dinheiro público.

Seu uso para falar sobre facções é criticado por alguns pesquisadores, que refutam a ideia de que elas se encaixam na definição legal de crime organizado, e que acreditam, portanto, que o uso do termo pode levar a erros de diagnóstico.

Independentemente da terminologia, veja abaixo como alguns dos presidenciáveis pretendem lidar com facções e outros grupos criminosos:

As propostas contra grupos criminosos

MARINA SILVA (REDE)

Propõe um conselho que integraria órgãos de inteligência estaduais e federais, “com foco no crime organizado” e suas dinâmicas interestaduais e transnacionais.

GERALDO ALCKMIN (PSDB)

Propõe uma revisão da Lei de Execução Penal que dificultaria o abrandamento da pena para envolvidos em crimes violentos ou que tenham envolvimento com o “crime organizado”. Aposta também na integração dos setores de inteligência das polícias como forma de combater o “crime organizado”.

CIRO GOMES (PDT)

Define o combate a “organizações criminosas” como uma meta central. Ele propõe um plano federal para seu controle em estados com conflitos, “começando pelo Rio de Janeiro”. E um sistema nacional para compartilhamento de informações entre polícias sobre o tema. Propõe a criação de uma força tarefa de policiais federais, estaduais e promotores, e um órgão federal para Proteção a Testemunhas, voltado especificamente a delatores de membros dos grupos. O programa sinaliza a favor do encarceramento de lideranças desses grupos em presídios federais.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA (PT)

Avalia que a política de repressão às drogas é equivocada e que o país prende mais pessoas “não violentas, não organizadas e desarmadas” envolvidas na venda de drogas do que homicidas. Isso agravaria as condições dos presídios e alimenta o recrutamento para as facções. Ele propõe “olhar atentamente para experiências internacionais” de descriminalização, e alterar a política de drogas. Ele não afirma, no entanto, um compromisso claro com a descriminalização.

JOÃO GOULART FILHO (PPL)

Propõe o aperfeiçoamento do Susp (Sistema Único de Segurança Pública) como forma de enfrentar o crime organizado. Isso inclui integrar órgãos policiais federais e estaduais e instituir conselhos municipais, estaduais, regionais e nacionais para avaliação e acompanhamento de políticas públicas.

Neste último texto da série, o Nexo pediu a quatro pesquisadores que publicaram obras sobre facções criminosas — com foco central no PCC — que respondessem: Quais serão os desafios do próximo presidente ao lidar com as facções? Veja as respostas abaixo.

‘Quanto mais prisões, mais facções’

Karina Biondi Professora da Universidade Estadual do Maranhão e autora do livro “Proibido roubar na quebrada: Território, hierarquia e lei no PCC”, lançado em julho de 2018 (ed. Terceiro Nome)

O principal desafio do próximo presidente é interromper a ideia de que os problemas com as facções se resolvem com mais repressão. À esquerda e à direita, passando por boa parte das discussões acadêmicas, tudo se passa como se esses problemas fossem resultado de falhas do Estado em sua política repressiva e que bastaria aprimorá-la ou fortalecê-la.

O caso da intervenção no Rio de Janeiro é exemplar: vendida como a solução para todos os problemas, depois de meses se viu que em nada melhorou os índices de violência. O surgimento, expansão e fortalecimento das facções se dá justamente no interior dessas práticas punitivistas. É o resultado dessas práticas.

Se a intenção é realmente enfraquecer e combater as facções, é urgente pensar em políticas de desencarceramento. Em suma, a equação é simples: quanto mais prisões, mais facções e, portanto, quanto menos prisões, menos facções.

‘Já existe um consenso sobre o que fazer, o desafio é articular politicamente’

Camila Nunes Dias é professora de políticas públicas da Universidade Federal do ABC

Bruno Paes Manso é jornalista e pesquisador

Ambos são membros do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, e autores do livro “Guerra – Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil”, publicado em agosto de 2018 (ed. Todavia)

Três instituições da sociedade civil (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Instituto Igarapé e Sou da Paz) elaboraram propostas para orientar o próximo presidente.

As medidas estão voltadas para a redução e prevenção de crimes violentos e enfraquecimento das estruturas do crime organizado. Acreditamos que as mudanças ganham força quando são costuradas e discutidas de forma ampla, como ocorreu para a elaboração dessa agenda.

Já existe um relativo consenso sobre o que fazer. O desafio é como articular politicamente essas mudanças. Vale a pena ler a íntegra do documento “Segurança Pública é solução”.

Entre as principais, listamos as seguintes:

Sistema eficiente para gerir a segurança pública — Regulamentar e implantar o Sistema Único de Segurança Pública

Estruturas estatais coercitivas e regulatórias para enfrentar o crime organizado — Criar o Conselho Nacional de Inteligência, enfrentar a corrupção dos agentes públicos

Efetividade e eficiência do trabalho policial — melhorar atividades de prevenção, investigação e de perícia, com foco na proteção da vida

Reestruturação do sistema prisional — auxiliar os estados a reestruturarem seus estabelecimentos e sua política de gestão prisional. Implementar política de penas alternativas eficiente. Redução de presos provisórios e priorização da prisão de crimes graves contra a vida

Programas de prevenção da violência — políticas de prevenção focalizadas em territórios mais vulneráveis (educação, saúde, desenvolvimento social, esporte, cultura etc.).  Implementar estratégias de prevenção para crianças, adolescentes e jovens nos 123 municípios que concentravam 50% dos homicídios em 2016

Reorientação da política de drogas — retirar o consumo de drogas da esfera criminal e criar critérios objetivos para diferenciar uso do tráfico

Regulação e o controle das armas de fogo — aprofundar e modernizar a política Nacional de Controle de armas de fogo e munições apoiada em evidências científicas

Leia reportagem completa

O Instituto Igarapé utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência, de acordo com a nossa Política de Privacidade e nossos Termos de Uso e, ao continuar navegando, você concorda com essas condições.

Pular para o conteúdo