Um brasileiro é forçado a abandonar sua casa por minuto, diz estudo
Desde 2000, a cada minuto, um brasileiro foi forçado a deixar o seu lar. Pelo menos 7,7 milhões de pessoas, cerca de 4% dos brasileiros, tiveram que abandonar suas casas em função, sobretudo, de desastres naturais. Na última semana, o Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), divulgou estudo inédito que revelou como o problema tem se perpetuado: 8,2 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco.
O principal desafio é realocar essas pessoas, segundo especialistas ouvidos pelo Correio. A falta de políticas públicas cria uma população que ficou conhecida como “abandonados dos desastres” ou “os sem casa”. As pessoas sabem que estão em áreas de risco, mas como não se tem opção, vivem nestas condições, explica a pesquisadora Maiara Folly, do Instituto Igarapé. “Mais de 100 mil pessoas morreram em desastres naturais desde 2000. Os impactos econômicos chegam a R$ 800 milhões mensais, segundo projeção do Banco Mundial e do Ceped (Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres)”, diz.
Para a pesquisadora, o problema das políticas públicas é que são formadas na reação e esquecem da prevenção. “No imediato, há uma mobilização. Mas não há uma estrutura que esteja preparada. As pessoas saem numa situação extrema, mas sem ter para onde ir. Voltam para a área de risco porque o aluguel social é baixo e não encontram políticas de assentamento”, destaca. Quando a comoção acaba, há um esquecimento dos migrantes invisíveis, continua Maiara. “Eles saem de suas casas e depois pouco ou nada é feito por eles. Acabam parando em áreas marginalizadas. Isso desrespeita o princípio de reparação que é ir para uma situação melhor ou igual. Há ainda a ocupação de rua ou moradias irregulares”, observa.
Acolhimento
Um dos maiores exemplos é a situação da Região Serrana do Rio de Janeiro. Após enchentes e deslizamentos de terras em 2011, 170 mil pessoas ainda vivem em áreas de risco. Após a tragédia, que deixou 916 mortos e 345 desaparecidos, o Cemaden passou a fazer alertas de desastres. Um esforço de prevenção em parceria com as Defesas Civis municipais e estaduais.
Mas não basta, afirma o pesquisador do Cemaden, sociólogo Victor Marchezini. “Isso tem que vir acompanhado de ações estruturais que ajudem a reduzir os riscos. Muitas vezes, com ações de melhoria de saneamento, escoamento, o risco diminuiria. É uma combinação de medidas. É um trabalho que vai além de uma mensagem”, destaca.
Desde 2004, Marchezini estuda esse tema e acredita que a estruturação das defesas civis é um problema. “Às vezes o prefeito cria, mas não está acontecendo nenhum desastre, se coloca uma pessoa que não entende do assunto. Também acontece o oportunismo de esperar acontecer para angariar dinheiro do governo federal. Isso me preocupa como sociólogo e pesquisador. Esse tema não pode sair das prioridades do governo”, assinala.
O sociólogo ressalta ainda o que chama de “abandonados dos desastres”. “Sempre há uma comoção social. Depois o sofrimento social continua. Os processos de reconstrução do município e de recuperação das pessoas são esquecidos. Neste contexto, há violações de direitos humanos. Quando fazemos o projeto de prevenção, nos deparamos com a vivência desses eventos traumáticos”, pondera.
Visibilidade
“Esse estudo dá visibilidade à população brasileira que está exposta aos riscos de desastres naturais. É um primeiro grande balizador de onde estão essas pessoas e quantas são, para que, a partir daí, se tracem estratégias de políticas públicas para mitigar esses riscos. As estratégias podem ir desde obras de engenharia até a remoção da população”, destaca o coordenador da pesquisa, Cláudio Stenner.
Ele cita o desastre fluminense como exemplo. “As consequências devastadoras corroboraram o consenso entre os especialistas de que a magnitude de um desastre está intrinsecamente relacionada à interseção de fenômenos sociais, econômicos e demográficos, entre outros, que contribuem para aumentar a vulnerabilidade e exposição da população aos desastres naturais”, explica.
Para o professor do Departamento de Política Social da Universidade de Brasília (UnB) Vicente de Paula Faleiros, é preciso um sistema para acolhida de quem vive uma situação dessas. “É preciso pensar um sistema de atendimento psicológico. É um trauma, uma perda de bens, familiares. As pessoas necessitam de apoio da assistência social, defesa civil e psicologia. Muitas vezes deixar como está para ver como fica o desgaste é maior. A estrutura ainda é deficiente. As pessoas ficam dependentes da família, amigos ou de voluntários”, defende.
O Correio entrou em contato com os ministérios dos Direitos Humanos, da Integração Nacional e das Cidades. Uma pasta atribuiu a responsabilidade sobre o caso à outra. Em nota, o Ministério das Cidades disse que existem 8,3 mil famílias homologadas pela Defesa Civil para atendimento no programa Minha Casa Minha Vida, sendo que 4,4 mil já foram alojadas.