“O Estado não oferece proteção antes que o feminicídio ocorra”

Um outro final

Falar de violência contra a mulher pode salvar vidas

15/08/2018
Por Ilona Szabó
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo
“O Estado não oferece proteção antes que o feminicídio ocorra”

Albane, estudante de jornalismo de 26 anos, foi encontrada morta com perfurações, na casa em que vivia com o namorado em São Paulo. Adriana, 40 anos e três filhos, assassinada a tiros no Distrito Federal pelo ex-marido, um policial militar que, em seguida, tirou a própria vida. Simone, de 25 e grávida de três meses, morta vítima de asfixia pelo companheiro no Rio de Janeiro, em frente ao filho de três anos. Michele, de 23, encontrada com sinais de enforcamento e violência sexual na Bahia.

 

Todas essas e muitas outras histórias foram noticiadas em um intervalo de dias, depois da morte da advogada Tatiana Spitzer. Momentos antes de cair ou ser jogada do quarto andar de um prédio no Paraná, câmeras de segurança registraram a agressão brutal que ela sofreu do marido, Luís Felipe Manvalier.

 

Conhecer esses episódios, sobretudo para uma mulher, traz horror e, ao mesmo tempo, a certeza de que falar sobre violência contra a mulher, e sua mais grave expressão —feminicídio—, pode evitar que o número de vítimas continue crescendo no Brasil.

 

De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados na semana passada, foram registrados 4.539 assassinatos de mulheres e 1.133 feminicídios no país em 2017.

 

crime ganhou lei específica em 2015, seguindo um movimento internacional de dar visibilidade a homicídios cuja motivação é o fato de a vítima ser mulher. Com frequência, os assassinos são seus próprios companheiros, familiares e conhecidos, e o crime ocorre dentro de suas casas. E em muitos casos, antes da morte, a vítima sofreu diversos outros tipos de violência, como a moral, a física e a sexual.

 

Identificar as características que as histórias de mulheres assassinadas têm em comum é um passo importante para saber como salvar vidas. Tive oportunidade de conhecer projetos que avançam nesse sentido.

 

A edição deste ano do Dossiê Mulher, do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, foi a primeira a apresentar dados de feminicídios referentes a um ano completo, uma vez que a variável foi incluída no banco de dados da Polícia Civil do estado em outubro de 2016.

 

Além de entender melhor as características e motivações desses crimes, é urgente pensar em estratégias voltadas para as violências que precedem o assassinato.

 

Um exemplo é o Projeto Violeta, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que agiliza o atendimento de mulheres em situação de violência doméstica para que consigam proteção legal. Há também as rondas Maria da Penha, realizadas por guardas municipais em municípios como Macaé, também no estado do Rio, para monitorar e garantir as medidas protetivas determinadas pela Justiça nos casos de violência doméstica. E o trabalho de organizações como o Promundo com metodologias que discutem com homens padrões sociais de masculinidade.

 

Para além das iniciativas do poder público e organizações da sociedade, é preciso lembrar que nós cidadãos temos um papel chave na diminuição de crimes contra mulheres.

 

Vizinhos e testemunhas de casos de violência contra a mulher devem buscar ajuda de autoridades, o que pode ser feito anonimamente. Para isso, temos o 190, conexão direta para a polícia, ou o Ligue 180, voltado exclusivamente para denúncias de violência contra a mulher.

Feminicídios são evitáveis e avançamos quando tratamos desse assunto de maneira aberta. Que esse seja um primeiro passo para irmos além de nos indignar com as histórias que iniciam esta coluna.

 

Ilona Szabó de Carvalho

Diretora-executiva do Instituto Igarapé, mestre em estudos de conflito e paz pela Universidade Uppsala (Suécia).

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