Dedo no Gatilho

Dedo no gatilho

Presidenciáveis querem terceirizar responsabilidade pela segurança pública

29/08/2018
Por Ilona Szabó
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo
Dedo no Gatilho

O principal dever do líder de um Estado democrático de direito é proteger seus cidadãos, tarefa essa que é a base do contrato social. Prestemos atenção então às propostas dos candidatos à presidência nesta eleição. O que alguns defendem acabaria por terceirizar parte dessa responsabilidade para nós cidadãos.

 

Falo especificamente sobre aqueles que defendem como solução para a violência armar a população.

 

Atentem: estes candidatos estão simplesmente delegando uma atribuição que é exclusiva do governo. E não conheço evidências consistentes que mostrem que isso deu certo em lugar algum.

 

Façamos um paralelo. Quão surreal seria um candidato ou uma candidata a presidente anunciar a distribuição de bisturis para contornar a falta de vagas para cirurgias na rede pública de saúde? Ou mesmo propor que cada brasileiro deve comprar lousa e giz para alfabetizar o filho em casa?

 

Pode parecer absurdo, mas não está tão longe da realidade se consideramos que há quem defenda que brasileiros e brasileiras devem, individualmente, garantir a própria segurança e apoiar o Estado no combate a criminosos, andando pelas ruas portando armas.

 

Dar aos cidadãos a tarefa de garantir a própria saúde, educação ou segurança coincide na incoerência de transferir para eles um dever que é do poder público, previsto em nossa Constituição.

 

Presidenciáveis que defendem armas para todos demonstram não apenas irresponsabilidade como desconhecimento.

 

Sete em cada dez assassinatos no Brasil —país que registrou 64 mil mortes desse tipo em 2017— são cometidos com armas de fogo. De acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em São Paulo, o aumento de 1% na difusão desses instrumentos eleva em até 2% a taxa de homicídio.

 

Os números são ignorados também por candidatos que apoiam a ampliação do porte de armas no campo. Eles precisam explicar como é que controlarão o fluxo dessas pessoas armadas do campo para as cidades.

 

É importante lembrar que a lei de controle de armas de 2003 já garante a posse de armas para qualquer cidadão que cumpra os requisitos nela estabelecidos. E residentes em áreas rurais podem requerer o direito ao porte de armas de fogo para prover a subsistência alimentar de sua família, desde que sejam maiores de 25 anos e comprovem necessidade.

 

Outros casos demonstram como a desinformação protagoniza o debate sobre o tema. O plano de governo do candidato que defende com maior veemência as armas, afirma que países como os Estados Unidos, em que há mais armas de fogo, têm índices de homicídios muito menores que o Brasil. Esquece de mencionar que os números e taxas de mortes com armas de fogo americanas são os maiores do mundo desenvolvido, em especial nos estados onde as leis são mais permissivas. Fato é que tanto aqui quanto lá mata-se muito e a circulação das armas contribui para tal.

 

Experiências no Brasil e no mundo provam que entregar para cidadãos o dever de cuidar de sua própria segurança não é a resposta para salvar vidas. Pelo contrário. Quando se trata de quem ocupará a cadeira de presidente, estratégias irresponsáveis ou que ignoram a realidade nos deixarão ainda mais inseguros.

 

A agenda Segurança Pública é Solução, lançada pelos Institutos Igarapé e Sou da Paz com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, reúne as propostas que deixarão o Brasil mais seguro. Saber o que cobrar dos candidatos e eleitos é parte de nossa responsabilidade como cidadãos.

Ilona Szabó de Carvalho

Diretora-executiva do Instituto Igarapé, mestre em estudos de conflito e paz pela Universidade Uppsala (Suécia).

 

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