A xenofobia na fronteira

A xenofobia na fronteira

A insuficiência de ações coordenadas e adequadas do Poder Público à migração tem fomentado a baixa aceitação da sociedade local com relação aos recém-chegados, contribuindo para atos de violência e xenofobia

12/04/2018
por Maiara Folly, Adriana Erthal Abdenur e Robert Muggah
Publicado originalmente no Le Monde Diplomatique Brasil

A xenofobia na fronteiraO Brasil tem um histórico de acolhida a migrantes e refugiados. Internacionalmente, o país vinha sendo elogiado por ações avançadas na área migratória, incluindo a recepção de cerca de 45 mil haitianos após o terremoto que devastou a nação caribenha e a concessão de vistos humanitários a refugiados afetados pelo conflito na Síria. Contudo, as frágeis políticas para lidar com a chegada de um número crescente de venezuelanos ao Brasil têm colocado em xeque essa postura tradicionalmente acolhedora.

No dia 31 de março, na véspera do Domingo de Páscoa, a Prefeitura de Boa Vista, no estado de Roraima (RR), fechou sem aviso prévio a praça Simón Bolívar, onde vivem acampados cerca de seiscentos venezuelanos. A prefeitura argumenta que o espaço foi fechado para manutenção. Na prática, os tapumes erguidos impedem a ventilação do local, agravando o ambiente de insalubridade, e ferem o direito de ir e vir: a Guarda Civil Municipal está impedindo a chegada de novos moradores.

Não é a primeira vez que autoridades roraimenses fazem uso de medidas arbitrárias ao lidar com migrantes do país vizinho. Em dezembro de 2016, a Justiça Federal interrompeu tentativa de deportação de mais de 450 venezuelanos em Roraima e, em novembro de 2017, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizaram ação contra o governo de RR em função da remoção forçada de quatrocentos venezuelanos em acampamento na capital do estado.

A insuficiência de ações coordenadas e adequadas do Poder Público à migração tem fomentado a baixa aceitação da sociedade local com relação aos recém-chegados, contribuindo para atos de violência e xenofobia. Em fevereiro, duas casas foram incendiadas em Boa vista, provocando queimaduras graves em cinco venezuelanos, incluindo uma criança. No mês seguinte, moradores de Mucajaí, no sul de Roraima, expulsaram cerca de cinquenta venezuelanos de um prédio abandonado, atearam fogo em objetos, rasgaram pacotes de farinha e espalharam pelo local. Os migrantes deixaram para trás fardos de alimentos, malas com roupas e outros pertences que não foram destruídos no ataque.

O episódio de cunho xenofóbico foi seguido por uma manifestação organizada por brasileiros pedindo o fechamento da fronteira com a Venezuelana, levando a DPU a recomendar que as polícias Militar, Civil e Federal ficassem em alerta para evitar confrontos entre brasileiros e venezuelanos.

Em meio a tensões crescentes, é importante lembrar que os cerca de 40 mil venezuelanos no Brasil representam um número baixo quando comparado a países como a Colômbia e a Espanha, que apenas em 2017 receberam cerca de 600 mil e 208 mil venezuelanos, respectivamente. Mesmo assim, para além da recente federalização da gestão de abrigos em Roraima com apoio da sociedade civil e da agência da ONU para refugiados (Acnur), a resposta do governo brasileiro tem sido lenta, fraca e desarticulada.

Embora tardia, a criação de um Comitê Federal de Assistência Emergencial é bem-vinda. Para que a sua atuação seja bem-sucedida, é preciso que seus esforços se afastem de uma visão securitária que reduz o migrante a uma ameaça a ser combatida e se concentrem na proteção da dignidade humana e na acolhida humanitária, conforme prevê a Nova Lei de Migração, em vigor desde novembro de 2017.

O Comitê deve, ainda, garantir que o processo de interiorização de venezuelanos para outras cidades do país, que se inicia esta semana, seja realizado de maneira ágil, responsável e voluntária, garantindo o direito à moradia adequada, a inserção no mercado de trabalho formal e o acesso a serviços sociais. Para isso, é fundamental fortalecer a articulação entre as três esferas de governo – federal, estadual e municipal – de modo a estabelecer uma clara divisão de competências e responsabilidades. Apenas assim o Brasil será capaz de pôr fim aos recorrentes episódios de xenofobia e honrar com as suas credenciais de promotor da paz e dos direitos humanos.

 

*Maiara Folly é pesquisadora do Instituto Igarapé, onde Adriana Erthal Abdenur coordena a Divisão de Paz e Segurança Internacional e Robert Muggah é o diretor de pesquisas.

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