Pesquisa revela o cotidiano violento que já vitimou 765 defensoras da Amazônia brasileira nos últimos 10 anos

Relatório do Instituto Igarapé traz os desafios da região na voz de mulheres à frente da luta pelo meio ambiente e direitos humanos

Entrevistas aprofundadas apontam soluções para conflitos e violências que afetam 51% das defensoras brasileiras na Amazônia

Para proteger a floresta amazônica, é preciso ouvir as mulheres que a protegem. No relatório Desafios e Recomendações para a Amazônia a Partir da Voz de Mulheres Defensoras dos Direitos Humanos e do Meio Ambiente – Brasil, o Instituto Igarapé traz o ponto de vista de defensoras da bacia amazônica brasileira sobre suas experiências e propostas para os conflitos na região. As violências que sofrem estão no centro da questão: o estudo aponta que, entre 2012 e 2022, houve 765 ataques – incluindo 36 assassinatos – contra mulheres na Amazônia Legal que combatem a exploração ilegal dos recursos naturais da floresta, a invasão de suas terras e a expropriação de seus povos.

O número, compilado pelo Igarapé a partir de dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre conflitos no campo na região, inclui intimidação, prisão e tentativa de assassinato. A maior parte dos agressores é de grileiros e fazendeiros, e os casos se concentram no Pará, Maranhão e Rondônia. A região amazônica registrou, no ano passado, 59% dos casos de conflitos de terras ocorridos no país. 

“Os dados tornam evidente que a violência faz parte do cotidiano dessa população, especialmente em áreas sob pressão de crimes ambientais e nos centros urbanos”, analisa Melina Risso, diretora de pesquisa do Instituto Igarapé. “Como se não bastasse a violência relacionada à disputa e proteção do território, elas também enfrentam aquela decorrente da desigualdade de gênero e das consequências de desafiarem os papéis tradicionais das mulheres”.

De acordo com o estudo, o impacto da violência em mulheres é menos visível e muitas vezes sequer quantificado. Uma das principais conclusões do relatório é de que, apesar de desempenharem um papel central na preservação do meio ambiente, na defesa dos direitos e na mitigação das mudanças climáticas, a violência que as defensoras enfrentam, assim como sua contribuição, não são devidamente reconhecidas ou documentadas.

“As defensoras compõem um grupo de múltiplas identidades, mas têm em comum em seus relatos a naturalização das violências que vivem, entre elas a invisibilidade de suas lideranças. É uma forma de silenciamento”, diz Melina. 

 

Pesquisa aprofundada

Na Cúpula da Amazônia, em agosto, o Igarapé lançou a pesquisa Somos Vitórias-Régias, que ouviu 287 defensoras do meio ambiente e dos direitos humanos na bacia amazônica do Brasil, Colômbia e Peru. Nela, 51% das mulheres brasileiras entrevistadas disseram ter sofrido violências entre 2021 e 2022 – não apenas físicas, mas psicológicas e morais.

Agora, essa nova pesquisa busca identificar seus desafios e propostas de solução. Para isso, foi utilizada uma metodologia participativa. Foram realizadas entrevistas aprofundadas com 23 defensoras, mais um grupo focal com outras oito. A coleta de informações foi conduzida por 13 defensoras da Amazônia treinadas pelo Igarapé, que já haviam trabalhado com o Instituto na primeira pesquisa.

“Na Amazônia, há várias amazônias. Os riscos e vulnerabilidades gerados por essa multiplicidade impactam a forma como elas enxergam e enfrentam seus desafios. As defensoras estão em uma posição-chave para propor soluções que contemplam essa diversidade”, afirma Melina Risso. “É a partir dessa escuta que podemos efetivar ações eficazes para os conflitos constantes a que são submetidas”. 

As defensoras ouvidas pelo Igarapé apontam propostas prioritárias para que o Estado enfrente esses desafios. Elas enfatizam a necessidade de as instituições públicas cumprirem seu papel constitucional na Região Norte, aprimorando os serviços de segurança e saúde para povos indígenas e rurais. A regularização fundiária e ambiental também é considerada essencial para combater a fome e a violência, assim como a formalização e a investigação de denúncias, o aprimoramento da resposta aos crimes e a criação de incentivos materiais e financeiros para grupos, associações e organizações de mulheres.

Elas enumeram ainda recomendações para organizações da sociedade civil, academia e coletivos: alocação de recursos, proporcionando autonomia financeira e redes de proteção alternativas; desenvolvimento de metodologias de cuidado e autocuidado com base em saberes locais, comunitários e regionais; e a realização de pesquisas sobre temas que impactam a região, gerando evidências que possam nortear políticas públicas. 

Depoimentos

Seguem trechos de entrevistas de defensoras da Amazônia ouvidas na pesquisa: 

“Muitas vezes só nos ouvem como indígenas a partir do momento que você tem um cargo, uma função ou um diploma, para que você possa levantar sua voz e falar. Muitas vezes os indígenas sofrem e não conseguem clamar por socorro, porque as autoridades tendem a fechar os ouvidos e somente ouvem uma pessoa que tem maior status ou prestígio social para estar dialogando frente a eles.” Defensora indígena residente na Amazônia florestal

 

“Eu sou vítima de violência sexual: fui estuprada quando tinha 9 anos. Minha fragilidade começou aí, por conta da depressão, da ansiedade, entre outros problemas que essa violência acarretou em mim quando criança. O movimento indígena foi uma porta que se abriu para mim, também para me curar – não me curar exatamente, mas facilitar um pouquinho meu convívio com tudo isso durante boa parte da minha vida.” Defensora indígena residente na Amazônia florestal

 

“Eu estava lá para fazer outras coisas né, com as parentas. Mas eu passei por um determinado local

em que eu vi os próprios parentes entregando uma menininha pro minerador. Ela era bem nova.

Usada como uma moeda de troca. Eu queria chorar, fazer alguma coisa. Mas eu só respirei fundo,

fingi que não vi e continuei. Não sei o que foi mais violento, ver a cena ou fingir que não vi para

continuar tendo acesso àquele território.” – Defensora indígena residente na Amazônia urbana

 

Acesse o estudo completo: https://igarape.org.br/desafios-e-recomendacoes-para-a-amazonia-brasil/

Mais informações:  raphael.lima@igarape.org.br; joao@pensatacom.br; press@igarape.org.br

 

Sobre o Instituto Igarapé:

O Instituto Igarapé é um think and do tank independente, que desenvolve pesquisas, soluções e parcerias com o objetivo de impactar tanto políticas como práticas públicas e corporativas na superação dos principais desafios globais. Nossa missão é contribuir para a segurança pública, digital e climática no Brasil e no mundo. O Igarapé é uma instituição sem fins lucrativos e apartidária, com sede no Rio de Janeiro e atuação do nível local ao global. 

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