Mais da metade das Américas já aboliu a pena de prisão para o uso de cannabis

Projeto do Instituto Igarapé mostra substanciais avanços no continente

 

Em 1971, Richard Nixon, então presidente dos EUA, fez um discurso no qual anunciou que as drogas eram o inimigo número um da América. Para 20 dos 36 estados do continente americano, isso já não é mais verdade: esses países não possuem mais previsão de que usuários de maconha possam ser punidos com a restrição de liberdade. Destes, 12 retiraram o uso completamente da esfera criminal. Quando estendemos a análise para qualquer substância psicoativa, são 12 os países que retiraram completamente a previsão de pena de prisão para usuários de drogas. As informações estão contidas no Monitor de Políticas de Drogas nas Américas do Instituto Igarapé, projeto que acompanha as reformas nas políticas de drogas no continente atualizado anualmente.

 

O levantamento é feito pelo Instituto Igarapé desde 2018. São monitoradas quatro perspectivas: leis de drogas, políticas de redução de danos, penas alternativas e cannabis medicinal. Em 2022 foi incluído um levantamento que buscou entender como são e onde podem ser encontradas políticas de drogas que levem em consideração perspectivas de gênero.

 

Dos 36 países da região, apenas cinco preveem em lei tratamento diferenciado com base em gênero: Argentina, Bolívia, Brasil, Costa Rica e Paraguai. Outros doze países têm políticas específicas para mulheres nas áreas de prevenção, tratamento, cuidados e/ou reabilitação. Para mais da metade dos países da região – dezenove – não encontramos nenhum indício de políticas de drogas sensíveis às diferenças de gênero.

 

Os Estados Unidos seguem promovendo reformas através das legislações estaduais. Em 2021, Connecticut deu início ao funcionamento do mercado regulado para uso adulto. Já são 19 estados americanos com mercados regulados de uso adulto, além do distrito de Columbia. Dos 50 estados americanos, apenas dois não possuem nenhuma previsão de uso medicinal.

 

Nos últimos 12 meses o uso medicinal da cannabis foi regulado no Panamá e na Costa Rica, e o mercado legal para uso medicinal começou a funcionar em Barbados. O Peru, que já tinha regulação para uso medicinal de cannabis, passou a permitir o cultivo associativo. Outros países, como o Paraguai, avançaram no desenvolvimento de políticas de prevenção ao abuso de drogas.

 

O México segue acumulando decisões da Suprema Corte do país na direção de profundas reformas em políticas de Drogas. Em 2017 a Corte decidiu que a proibição era inconstitucional, e deu ao legislativo um prazo para elaborar uma lei que compreendesse essa decisão. Após alguns adiamentos do prazo final e novo travamento da pauta no Senado, em 2021 a Corte descriminalizou o uso adulto de cannabis, e determinou que quem quiser fazer uso pode pedir uma permissão, e a autorização não pode ser negada. Também em 2021 foi publicada a lei que regula o mercado de cannabis para uso medicinal, o que também era permitido desde 2017.

 

Vale notar que Cuba perdeu uma importante oportunidade de reforma ao manter no código penal do país, aprovado por unanimidade em 2022, a possibilidade da pena de morte “com caráter excepcional” para alguns delitos, incluindo o tráfico de drogas. Ainda que a pena não seja aplicada desde 2003, a previsão por si só é uma derrota da busca por uma política de drogas mais humana.

 

Avanços e retrocessos no Brasil

No Brasil, os principais avanços seguem acontecendo de forma lenta e longe do legislativo. A ANVISA aprovou a importação e comercialização de mais três medicamentos farmacológicos à base da planta – no total já são 14. O plantio para uso medicinal segue proibido para os pacientes, e mesmo para a produção industrial destes remédios, o que eleva os custos de acesso. O Brasil vai na contramão da tendência da região, que tem feito reformas para permitir o auto-cultivo ou o cultivo associativo, como as reformas feitas no Peru e na Costa Rica neste último ano.

 

Outros avanços seguem pela via judicial, como a decisão recente do MPT que reconheceu o excludente de ilicitude do cultivo de cannabis para fins medicinais. A decisão é um marco importante no direito ao acesso a medicamentos à base de cannabis, mas por enquanto apenas se aplica aqueles diretamente envolvidos na ação. O PL 399, que busca regular o acesso à cannabis medicinal e tramita desde 2015 na Câmara dos Deputados, segue enfrentando obstáculos em seu caminho até o Senado.

 

O Monitor é atualizado pela equipe do Igarapé periodicamente. A ideia é que o site seja uma fonte permanente de informações para jornalistas, acadêmicos, estudantes, gestores públicos, membros de outras organizações e outros interessados no assunto.

 

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