Violência custa caro

Publicado originalmente em O Globo, por Robert Muggah, em 05/10/2017

A violência armada custa caro. As mortes prematuras das vítimas são exemplo evidente do alto preço pago. Outros custos econômicos incluem serviços médicos, honorários de advogados e o encarceramento dos autores de crimes com armas de fogo. Não menos importantes são as perdas associadas ao pagamento de sinistros de seguro, à renda das vítimas, à dor e ao sofrimento das pessoas diretamente atingidas e de seus entes.

Economistas elaboraram diversas formas de medir o impacto econômico da violência armada. O cálculo desses custos não é uma ciência exata. A maioria das abordagens adota um destes três métodos: previsão de custos baseada na perda de produtividade, avaliação contingencial ou um simples cálculo dos custos de todas as despesas associadas. Por isso, diferentes métodos produzem estimativas diferentes.

O Urban Institute estimou em cerca de US$ 630 milhões o impacto econômico das lesões causadas por armas de fogo nos EUA em 2010. Esse estudo considerou só os gastos com serviços médicos para o tratamento das lesões. Outro estudo sobre o mesmo tema, aplicando método mais abrangente, chegou à estimativa de mais de US$ 229 bilhões gastos por ano nos EUA.

No Brasil, custos da violência armada ainda são pouco reconhecidos. Utilizando uma metodologia da OMS, uma estimativa científica dos custos médicos diretos para tratamento de lesões por armas de fogo chegou à cifra de R$ 88 milhões por ano. Devido à forma como afeta o corpo, seu tratamento é de 1,7 a três vezes mais caro do que o associado a lesões por facas, por exemplo. O estudo focou apenas nos hospitais públicos, subestimando o custo financeiro total da violência armada.

De fato, se contabilizarmos os custos indiretos, seu ônus é quase multiplicado por cem. Se o número de dias de hospitalização, o tempo que as vítimas ficam inativas e os anos de produtividade perdidos forem considerados, os custos disparam. Vale lembrar que a violência armada afeta sobretudo os segmentos mais jovens e produtivos da sociedade. Avaliações revelam que esse tipo de violência no país representa cerca de R$ 10 bilhões por ano — 0,5% do PIB anual.

A violência armada é um imposto pago por todos nós — e seu valor é alto demais. Além do número de mortos e feridos, contribui para a saída de profissionais qualificados do país, desencoraja investimentos e afeta valores imobiliários. Quando políticos brasileiros avaliam a aprovação ou não de leis que ampliam o direito ao porte para diferentes categorias profissionais — agentes de trânsito, peritos médicos da previdência social, defensores públicos e oficiais de Justiça — é fundamental que se lembrem que o porte de armas é um privilégio, e não um direito. E que esse privilégio, como mostram as evidências, não reduzirá o custo que pagamos todos os dias ou tornará nossas comunidades mais seguras.

Ao contrário: há altos riscos, custos e graves efeitos colaterais envolvidos. No mínimo, corremos o risco de que esse privilégio, concedido a alguns brasileiros, prevaleça sobre nosso direito mais fundamental: o direito à vida.

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