Reparação a comunidades atingidas pela guerra às drogas marca reforma nos EUA

 Mais de um terço dos estados americanos intensificaram mudanças significativas nas políticas de drogas, indica monitor atualizado pela organização

 

Nos últimos anos, mais de 30% dos estados americanos intensificaram as reformas nas políticas de drogas, em especial em relação à maconha. Já são 17 deles com legislações próprias para o uso adulto de cannabis, além do Distrito de Columbia. Essa mudança é um reconhecimento fundamental do fracasso da guerra às drogas e vem acompanhada de outra igualmente fundamental: a reparação a comunidades desproporcionalmente atingidas pela política de repressão generalizada, como pessoas negras e latinas. As informações são parte do Monitor de Política de Drogas nas Américas, projeto do Instituto Igarapé que acompanha as reformas em políticas de drogas no continente. Sua atualização anual acaba de ser lançada, nesta segunda-feira, 28 de junho. 

 

As estratégias pioneiras mapeadas são exemplo para países que ainda apostam em uma abordagem anticientífica, como o Brasil, onde a guerra às drogas afeta sobremaneira grupos vulneráveis, a exemplo da criminalização de usuários e da marginalização de jovens negros de periferias. “Seguiremos acompanhando os resultados dessas políticas. Já está claro que o foco na proteção dos indivíduos e na regulação eficiente de um mercado legal para a maconha, passa necessariamente pelo reconhecimento — e consequente reparação — das comunidades desproporcionalmente atingidas, vulnerabilizadas e criminalizadas ao longo de décadas pela guerra às drogas”, afirma Ilona Szabó, presidente do Instituto Igarapé. 

 

Nos últimos 12 meses, seis estados regularam o mercado de cannabis para uso adulto: Nova York, Nova Jersey, Montana, Virginia, Vermont e Novo México. Desses, cinco incluíram a extinção automática dos registros criminais de pequenos delitos relacionados à posse de maconha, retroagindo os efeitos da nova legislação em benefício dos réus. Apenas Montana determinou que essa extinção seja provocada, levando a uma análise caso a caso.

 

Todos incorporaram de alguma maneira a necessidade de reparação e reconhecimento de comunidades desproporcionalmente atingidas. Nova York determinou que 50% das licenças para negócios de cannabis sejam concedidas a microempresas e/ou candidatos que se enquadrem em critérios de promoção de equidade social, como raça e situação socioeconômica. Além disso, 40% dos impostos obtidos do mercado legal de cannabis devem ser revertidos em investimentos para essas comunidades.

 

O Colorado foi o primeiro estado americano a regular o mercado de cannabis para uso adulto, em 2012. Ao longo dos anos seguintes, outros estados fizeram o mesmo, e o debate sobre reparação passou a ser estimulado por ativistas pró-regulação. Durante décadas as comunidades negras e latinas foram devastadas pela guerra às drogas, e no momento em que o potencial econômico e social de um mercado legal foi reconhecido, essas mesmas comunidades estavam sendo deixadas de fora.

 

“A produção legal de cannabis é cara. Além de todas as taxas e impostos envolvidos, em geral, ela requer uma grande capacidade de investimento inicial. Grandes benefícios financeiros dos novos mercados não estavam chegando àqueles que durante anos pagaram o preço da proibição”, avalia Carolina Taboada, pesquisadora do Instituto Igarapé. “Na Virginia, por exemplo, entre 2010 e 2019, pessoas negras foram condenadas por posse de maconha em proporção quatro vezes superior às pessoas brancas”, alerta. 

 

Illinois foi o 11º estado a regular o mercado da cannabis para uso adulto, em junho de 2019, mas o primeiro a incorporar a necessidade de ressarcir as comunidades negras e latinas pelo sofrimento da guerra às drogas em sua legislação, destinando 25% da arrecadação de impostos a projetos nessas comunidades.

 

No Brasil, o uso de drogas continua criminalizado e não há critérios objetivos para diferenciar usuários e traficantes. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, 20% das incidências que levam pessoas às prisões são relacionadas à Lei de Drogas. Entre as mulheres, o percentual chega a 50%. O perfil majoritário da população carcerária é de jovens, negros, com baixa escolaridade. Levantamentos já indicaram que pessoas negras são mais condenadas por tráfico e com menos drogas. Além disso, essa população é afetada sobremaneira por prisões em flagrante e pela violência do Estado.

 

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