Para além das medidas extraordinárias

Precisamos de um plano nacional de segurança baseado em evidências e com visão de longo prazo

 

intervenção federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro é o capítulo mais extremo da crise que afeta diversas unidades da federação há décadas. Não é de hoje que as Forças Armadas são chamadas para apagar incêndios. Nos últimos dez anos, o Exército participou de 67 operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) país afora. Na GLO, os militares atuam de forma provisória com poder de polícia até o restabelecimento da normalidade, em área restrita e por tempo limitado. A eficácia dessas ações tem sido contestada dado o seu alto custo e efeito de curta duração.

Já a intervenção é uma medida de exceção máxima que está sendo usada pela primeira vez desde a Constituição de 1988. Durante sua vigência de dez meses, as polícias Civil e Militar, os Bombeiros e o sistema penitenciário do Rio ficarão sob a responsabilidade direta de um interventor, um general do Exército, que terá plenos poderes operacionais. Tanto a intervenção quanto as GLOs são realizadas exclusivamente por ordem da Presidência da República, mas há uma diferença fundamental a ser observada. Se a intervenção falhar, não há outra medida constitucional prevista sem que haja restrições de liberdades.

Como sabido pelos mandatários, o tema tem o apoio das ruas: 75% dos moradores do Rio de Janeiro acham que a segurança pública deve melhorar com a intervenção federal no Estado. Mas já sabem que o buraco é mais embaixo: 81% avaliam que a medida não vai resolver o problema, segundo pesquisa do Ideia Big Data. Outros Estados cogitam pedir uma intervenção e o presidente da República já afirma que o sucesso do Rio será aplicado em outros lugares por meio do recém-criado Ministério Extraordinário da Segurança Pública. Há (muitas) controvérsias nessa declaração.

Pelo que está em jogo, vidas de cidadãos brasileiros, a intervenção não pode falhar. Seu foco principal precisa ser a reestruturação das instituições de segurança pública do Rio e o enfrentamento da corrupção policial em parceria com o Ministério Público, o Judiciário e a Polícia Federal. A coordenação dos esforços será crucial para a redução do crime, e pode ser fortalecida se houver integração dos sistemas de informação das duas polícias, sistema prisional e Exército.

Exemplos de reformas policiais em outros países têm no uso de dados elemento fundamental para otimizar o trabalho das polícias, permitindo a melhor identificação dos problemas, e gerando indicadores para montar um sistema de responsabilização. Essa realidade não está tão distante do Rio, onde o Sistema Integrado de Metas foi implementado em 2009, inspirado no CompStat de Nova Iorque, e é uma ferramenta gerencial fundamental para integrar o trabalho das polícias e checar a efetividade das ações. Também no Rio, o Instituto de Segurança Pública possui corpo técnico qualificado e capaz de liderar um esforço de integração de dados e de fomento a uma cultura de policiamento com base em evidências científicas com base no ISPGeo.

O que precisa ficar claro é que para melhorar a segurança pública precisamos ir além das medidas extraordinárias. Precisamos de uma vez por todas de uma política e de um plano nacional de segurança pública baseados em evidências, com visão de longo prazo, competências definidas e recursos assegurados, como temos na saúde e na educação. Essa mensagem não dá voto, mas salva vidas.

Ilona Szabó de Carvalho

Cientista política fluminense, é mestre em Estudos de Conflito e Paz por Uppsala.

Coluna publicada na edição do dia 28/02/2018 do jornal Folha de S.Paulo

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