Mudanças no Estatuto do Desarmamento encontram resistências em movimento sociais

 

Novembro, 2015

 

Entidades ligadas aos direitos humanos criticam o texto; deputados da bancada BBB defendem as modificações, mas admitem que proposta deve ter dificuldade de avançar no Senado

As mudanças realizadas por uma comissão especial no texto do Estatuto do Desarmamento, cujas últimas alterações foram aprovadas nesta terça-feira (3), são alvo de polêmica. Entidades representativas dos direitos humanos criticam o substitutivo do deputado Laudivio Carvalho (PMDB-MG), relator da comissão especial do desarmamento, e classificam a proposta como um retrocesso. Os representantes da bancada da bala na Câmara, do outro lado, defendem as mudanças afirmando que o novo texto garante o livre direito à defesa de qualquer cidadão.

O texto-base do chamado Estatuto do Controle de Armas de Fogo foi aprovado na semana passada. A votação dos destaques foi concluída nesta terça-feira (3) na Comissão Especial, com a manutenção do texto que tem o apoio do bancada da bala. Entre as mudanças no Estatuto do Desarmamento, está a concessão do porte de armas para deputados e senadores e para jovens com idade a partir de 21 anos. O texto atual concede porte de armas apenas para pessoas 25 anos ou mais. Além disso, pelo substitutivo, o cidadão poderá ter arma de fogo para legítima defesa tanto em casa quanto no trabalho, algo que é proibido atualmente.

Na prática, algumas determinações do Estatuto do Controle de Armas revogam alguns itens do Estatuto do Desarmamento, que foi alvo de referendo em outubro de 2005. Mesmo assim, segundo juristas consultados por Fato Online, a Câmara não comete ilegalidades com a apreciação deste novo texto. Os juristas afirmam que não existe uma hierarquização entre leis de origem popular ou de origem parlamentar e que, mesmo uma lei rejeitada em um referendo poderia ser modificada, posteriormente, por iniciativa parlamentar.

A aprovação pela comissão especial, entretanto, é apenas o primeiro passo para que as mudanças no Estatuto do Desarmamento virem lei. Os próprios integrantes do colegiado dizem, em caráter reservado, que o Estatuto do Controle de Armas somente chegará a ser apreciado em plenário se o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), resistir ao processo por quebra de decoro parlamentar instaurado nesta terça, no Conselho de Ética da Câmara. Justamente por receio de que o mandado de Cunha seja cassado, existe uma articulação junto ao parlamentar fluminense para que as mudanças no Estatuto do Desarmamento sejam votadas até o mês de dezembro.

Críticas

Além disso, os próprios integrantes da comissão especial acreditam que a proposta não passará pelo Senado. Na semana passada, por exemplo, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB/AL), disse que qualquer alteração feita no Estatuto do Desarmamento terá dificuldades em ser aprovada. “O Estatuto é uma conquista da sociedade. O Brasil obteve com ele muitos resultados. Qualquer alteração que for proposta para que ele recrudesça no tempo vai ter dificuldade aqui no Senado”, disse Renan na semana passada.

Para o ex-comandante-geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro e coordenador de Segurança Humana da ONG Viva Rio, Ubiratan Ângelo, as mudanças no Estatuto do Desarmamento são amplamente nocivas para a sociedade brasileira. Ele afirma que as alterações não atendem à anseios da sociedade, mas sim da indústria armamentista. “Há todo um objetivo comercial por conta disso”, destaca Ângelo. “Hoje, cerca de 60% das armas em circulação são furtadas de pessoas comuns e as mudanças propostas [pela Câmara] dificultam ainda mais o controle do comércio legal e ilegal de armas no país”, destaca o ex-policial.

Já a pesquisadora do Instituto Igarapé e especialista em segurança pública, Michele do Ramos, destaca que o texto aprovado pela Câmara cria uma espécie de “política pública às avessas”. Na opinião da estudiosa, ao permitir o porte civil de arma de fogo, a Casa se abstêm da sua função de melhorar as políticas públicas na área de segurança pública e transfere essa responsabilidade para o cidadão. Para ela, a ideia de que o cidadão estará mais seguro com uma arma em casa é uma “lógica falaciosa”. “Por um lado, essa lógica ignora o fato de que as armas não são um bom instrumento de defesa. Em segundo lugar, ela ignora uma série de agendas que são fundamentais para a melhoria da segurança pública como um todo”, destaca a pesquisadora.

Defesa

Do outro lado, os deputados que defendem as mudanças no Estatuto do Desarmamento alegam que, a partir de agora, o “cidadão de bem” terá condições de se defender da violência urbana. “A vitória não é minha, a vitória é do povo. O povo agora poderá reagir a essa violência”, disse o relator do Estatuto do Controle de Armas de Fogo, deputado Laudivio Carvalho.

Tido como líder da bancada da bala na Câmara, o deputado Alberto Fraga (DEM/DF), também defende o texto. “Logicamente que tem um ou outro excesso que eu vou tentar corrigir quanto ele chegar ao Plenário. Mas a parte mais importante foi aprovada: aquela que retira do delegado o poder de conceder porte de armas no Brasil. Agora, isso ficará claro e será universal. O cidadão poderá se proteger”, afirmou Fraga com base no princípio atual do Estatuto do Desarmamento que determina a comprovação de “efetiva necessidade da arma” para a concessão do porte.

Apesar de revogar trechos que foram alvo de referendo, o ex-ministro do (STF) Supremo Tribunal Federal Ayres Britto disse que, em tese, as alterações não podem ser consideradas inconstitucionais. “A origem popular de uma lei não dificulta para o legislador fazer qualquer outra alteração”, afirmou o ex-ministro.

Já o coordenador da graduação do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, professor Thiago Bottino, lembra que as mudanças feitas pela Câmara no Estatuto do Desarmamento vão ao encontro do que decidiu a sociedade no referendo de 2005. Durante o referendo, a sociedade não permitiu a inclusão do art. 35 no Estatuto do Desarmamento, que proibia a comercialização de armas de fogo em todo o Brasil. “Na época, a sociedade não quis proibir o porte de armas, o que foi uma derrota a quem defendia o contrário. Essa decisão da Câmara, apenas ratifica a decisão do referendo”, declarou o professor da FGV.

Wilson Lima, Fato Online

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