Estudo dá voz às defensoras da Amazônia, que enfrentam violências enquanto lutam contra a exploração ilegal dos recursos naturais da floresta e a expropriação de seus povos

Levantamento do Instituto Igarapé revela que, apenas entre 2009 e 2019, houve 92 ataques contra defensoras nos estados do Pará, Maranhão e Amazonas

 

Entrevistas em profundidade apontam experiências e desafios com o objetivo de propor soluções para violências que afetam 51% das defensoras que atuam na Amazônia brasileira

 

Relatório será lançado em 27 de outubro, em Nova York, no contexto da agenda Mulheres, Paz e Segurança – WPS (Women, Peace and Security), do Conselho de Segurança da ONU

 

Na Amazônia, mulheres enfrentam violências de diferentes tipos enquanto lutam contra a exploração ilegal dos recursos naturais, a invasão de suas terras e a expropriação de seus povos. Essas defensoras, que compõem um grupo de múltiplas identidades e nacionalidades, frequentemente permanecem invisíveis à sociedade por conta da naturalização das agressões que tentam silenciá-las. Nesse contexto, o Instituto Igarapé publica o relatório Desafios e Recomendações para a Amazônia a Partir da Voz de Mulheres Defensoras dos Direitos Humanos e do Meio Ambiente

 

O lançamento acontece na sexta-feira, 27 de outubro no evento Unindo vozes latino-americanas pela paz e segurança: Aprendendo com as experiências de mulheres construtoras da paz e defensoras do meio ambiente e direitos humanos, no Bahá’í Center, em Nova York, a partir do debate aberto anual da agenda Mulheres, Paz e Segurança – WPS (Women, Peace and Security), do Conselho de Segurança da ONU. Parceria entre o Igarapé, a Rede Global de Mulheres Construtoras da Paz (GNWP, em inglês) e a Gender Association, o encontro terá a presença de mulheres mediadoras de conflitos e defensoras com reconhecimento internacional. Estão confirmadas as presenças da fundadora e presidente do GNWP, Mavic Cabrera Balleza, da diretora-executiva da Corporação de Investigação e Ação Social e Econômica (Ciase) na Colômbia, Rosa Emilia Salamanca, e da paraense Claudelice Santos, defensora da Amazônia que preside o Instituto Zé Claudio e Maria e faz parte do grupo de defensoras que trabalhou em conjunto com o Instituto Igarapé.

 

No último mês de agosto, durante a Cúpula da Amazônia, o Igarapé lançou a pesquisa Somos Vitórias-Régias, que ouviu 287 mulheres defensoras do meio ambiente e dos direitos humanos na bacia amazônica do Brasil, Colômbia e Peru. Agora, com o propósito de revelar suas experiências e desafios, propondo soluções, o novo estudo aprofunda essas narrativas. Para o primeiro relatório, dedicado ao Brasil, foram realizadas entrevistas em profundidade com 23 defensoras e um grupo focal com a participação de outras oito, sempre com a condução de 13 defensoras treinadas pelo Igarapé.

 

O Brasil abriga 64% da Amazônia, o correspondente a cerca de 5 milhões de quilômetros quadrados. Essa área, que abriga 20% da biodiversidade global e dos recursos mundiais de água doce, é habitada por mais de 190 povos indígenas e comunidades tradicionais – entre eles quilombolas e ribeirinhas. Nessa mesma região, no entanto, se concentram 59% de todos os conflitos de terra registrados no Brasil em 2022.

 

Embora esses dados não apresentem uma desagregação por gênero, a análise realizada pelo Instituto Igarapé revela que, entre 2009 e 2019, ocorreram 92 ataques contra defensoras nos estados do Pará, Maranhão e Amazonas. Esse número inclui ameaças (que são a maioria das ocorrências), ataques diretos, deslocamentos forçados e o assassinato de dez mulheres. A maior parte dos agressores está vinculada ao setor florestal e ao agronegócio. Além disso, segundo as entrevistadas para a pesquisa Somos Vitórias-Régias, 51% das defensoras que atuam na Amazônia brasileira sofreram algum tipo de violência – desde agressões físicas e psicológicas até domésticas e sexuais.

 

“Os dados tornam evidente que violência faz parte do cotidiano dessa população, especialmente em áreas sob pressão de crimes ambientais e nos centros urbanos”, analisa Melina Risso, diretora de pesquisa do Instituto Igarapé. Contudo, seu impacto nas mulheres é frequentemente subestimado e raramente quantificado. “Como se não bastasse a violência relacionada à disputa e proteção do território, elas também enfrentam a violência decorrente da desigualdade de gênero e das consequências de desafiarem os papéis tradicionais das mulheres. Embora desempenhem um papel central na preservação ambiental, na defesa dos direitos e na luta contra as mudanças climáticas, os abusos que enfrentam, assim como as contribuições que oferecem, muitas vezes passam despercebidos.”

 

As defensoras ouvidas pelo Igarapé apontam propostas prioritárias para que o Estado enfrente esses desafios. Elas enfatizam a necessidade de as instituições públicas cumprirem seu papel constitucional na região Norte, aprimorando os serviços de segurança e saúde para povos indígenas e rurais. A regularização fundiária e ambiental também é considerada essencial para combater a fome e a violência, assim como a formalização e a investigação de denúncias, o aprimoramento da resposta aos crimes e a criação de incentivos materiais e financeiros para grupos, associações e organizações de mulheres.

 

Elas enumeram ainda recomendações para organizações da sociedade civil, academia e coletivos: alocação de recursos, proporcionando autonomia financeira e redes de proteção alternativas; desenvolvimento de metodologias de cuidado e autocuidado com base em saberes locais, comunitários e regionais; e a realização de pesquisas sobre temas que impactam a região, gerando evidências que possam nortear políticas públicas. 

 

“As defensoras desempenham um papel vital na preservação do meio ambiente e na mitigação das mudanças climáticas, mas sua contribuição raramente é reconhecida ou documentada. Já passou da hora de trazermos à tona as vozes dessas mulheres, que têm uma conexão profunda com seu território e desempenham um papel fundamental na proteção do bioma amazônico e na promoção de práticas sustentáveis. É a partir dessa escuta que podemos efetivar ações eficazes para as violências constantes a que são submetidas,”, completa Melina.

 

Depoimentos

 

“Muitas vezes só nos ouvem como indígenas a partir do momento que você tem um cargo, uma função ou um diploma, para que você possa levantar sua voz e falar. Muitas vezes os indígenas sofrem e não conseguem clamar por socorro, porque as autoridades tendem a fechar os ouvidos e somente ouvem uma pessoa que tem maior status ou prestígio social para estar dialogando frente a eles.”Defensora indígena residente na Amazônia florestal

 

“Eu sou vítima de violência sexual: fui estuprada quando tinha 9 anos. Minha fragilidade começou aí, por conta da depressão, da ansiedade, entre outros problemas que essa violência acarretou em mim quando criança. O movimento indígena foi uma porta que se abriu para mim, também para me curar – não me curar exatamente, mas facilitar um pouquinho meu convívio com tudo isso durante boa parte da minha vida.” Defensora indígena residente na Amazônia florestal.

 

“Eu estava lá para fazer outras coisas né, com as parentas. Mas eu passei por um determinado local em que eu vi os próprios parentes entregando uma menininha pro minerador. Ela era bem nova. Usada como uma moeda de troca. Eu queria chorar, fazer alguma coisa. Mas eu só respirei fundo, fingi que não vi e continuei. Não sei o que foi mais violento, ver a cena ou fingir que não vi para continuar tendo acesso àquele território.” – Defensora indígena residente na Amazônia urbana

 

“Eu sou vítima de violência sexual: fui estuprada quando tinha 9 anos. Minha fragilidade começou aí, por conta da depressão, da ansiedade, entre outros problemas que essa violência acarretou em mim quando criança. O movimento indígena foi uma porta que se abriu para mim, também para me curar – não me curar exatamente, mas facilitar um pouquinho meu convívio com tudo isso durante boa parte da minha vida.” – Defensora indígena residente na Amazônia florestal.

 

Acesse o estudo completo: [PENDENTE BOTÃO]

 

Mais informações: raphael.lima@igarape.org.br; joao@pensatacom.br; press@igarape.org.br

 

Sobre o Instituto Igarapé:

O Instituto Igarapé é um think and do tank independente, que desenvolve pesquisas, soluções e parcerias com o objetivo de impactar tanto políticas como práticas públicas e corporativas na superação dos principais desafios globais. Nossa missão é contribuir para a segurança pública, digital e climática no Brasil e no mundo. O Igarapé é uma instituição sem fins lucrativos e apartidária, com sede no Rio de Janeiro e atuação do nível local ao global. 

 

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