A epidemia de homicídios tem cura

Folha de S. Paulo

Abril, 2017

Em Caracas, matar é rotina. A cidade foi a capital mundial do homicídio em 2015, com uma taxa de quase 120 por 100 mil pessoas cerca de 20 vezes mais que a média global.

A Venezuela está longe de ser o único país latinoamericano que sofre com a violência letal. Vizinho ao sul, o Brasil tem o maior número de homicídios no mundo: foram quase 60 mil no ano passado. Cerca de 80% da população brasileira acredita que corre risco de ser vítima.

A América Latina é a região mais homicida do mundo. São 400 assassinatos por dia, 144 mil por ano. Mais de 75% deles ocorrem por armas de fogo, percentual muito acima da média global.

A violência piorou, apesar dos grandes ganhos na educação e na redução da pobreza. O número de assassinatos no Brasil supera o de mortes em conflitos no Afeganistão, no Iraque e na Síria, juntos, em 2016.

A América Latina abriga apenas 8% da população mundial, mas 38% dos homicídios. Esse índice cresce na região, embora caia em quase todo o resto do mundo. A taxa regional é por volta de 22 por 100 mil seguindo essa tendência, deve chegar a 35 em 2030.

Sete países se destacam nas taxas de criminalidade: Brasil, Colômbia, El Salvador, Guatemala, Honduras, México e Venezuela são responsáveis por 34% das mortes intencionais em todo o mundo.

Esse cenário é causado em parte pelo fato de que os assassinatos raramente são elucidados ou resultam em condenações. Na América do Norte e na Europa, por volta de 80% dos casos são solucionados. Em muitos países latinoamericanos, os percentuais ficam abaixo de 10%.

A boa notícia é que esses crimes não são inevitáveis. Há exemplos, na própria região, de locais que mudaram o estado das coisas. Bogotá, Ciudad Juárez, Medellín e São Paulo viram suas taxas de homicídios caírem 70% ou mais na última década.

Lideranças civis, em especial alguns prefeitos e governadores, impulsionaram a mudança, unindo uma forma visionária de planejamento a metas claras, o policiamento a programas de bem-estar social focados em bairros com jovens em situação de risco.

O custo da violência chega a 3,5% do PIB da região, ou até US$ 261 bilhões por ano. Também abala o capital social: há um nível de tolerância inaceitável a essas mortes em certos segmentos da população.

A queda constante é possível e essencial. E se os governos e as sociedades da América Latina se comprometessem a reduzir em 50% o número de homicídios em uma década? Isso significaria uma queda de 7,5% ao ano, o que é bem factível. Dessa forma, a região evitaria a perda de 365 mil vidas. Os dividendos materiais também seriam expressivos.

Controlar essa crise na região demandará que governos, empresas e sociedade civil adotem estratégias e intervenções baseadas em evidências. Tais esforços também precisam ser guiados por metas que tenham a redução dos assassinatos como objetivo explícito, não somente como um subproduto desejado.

Para que a queda seja sustentável, será necessário reparar as relações desgastadas entre polícia e comunidades nos contextos mais afetados pela violência. O policiamento voltado para a solução de problemas tem um histórico bastante positivo.

Por fim, os governos da América Latina também devem investir em prevenção. Idade e grau de escolaridade são fundamentais na determinação da vulnerabilidade, tanto de vítimas como de agentes.

A renda também é um fator de dissuasão para o envolvimento com o crime.

Investimentos em desenvolvimento na primeira infância, competências parentais e emprego de jovens são eficientes em termos de custo, além de terem impactos positivos. Já se descobriu a cura. Está na hora de os latinoamericanos começarem a aplicá-la.

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