Em alto e bom som

As vozes das mulheres já começaram a ser ampliadas

Por Ilona Szabó

Publicado na Folha de S.Paulo

“Me escute também”. A frase imperativa marca uma campanha global com o objetivo de aprofundar ações coletivas pelo fim da violência contra mulheres e meninas. #HearMeToo é o mote dos “16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres”, organizados por agências da ONU. No Brasil, a iniciativa dura 21 dias. Começou ontem (20/11), Dia Nacional da Consciência Negra, e termina em 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.

Escutar meninas e mulheres, dando oportunidade para que participem da discussão sobre políticas das quais serão beneficiárias, é fundamental para construir uma sociedade mais segura e igualitária. Embora ainda tenhamos de percorrer um longo caminho nessa direção, um passo importante é reconhecer em que medida nossas vozes já começaram a ser ampliadas.

Comecemos pelo Brasil. Em outubro do ano que começou com o brutal assassinato, ainda não esclarecido, da vereadora Marielle Franco (PSOL), elegemos uma Câmara de Deputados com 77 representantes mulheres, 50% mais do que havia em 2015.

De acordo com levantamento da Gênero e Número, chegou a 13 o número de deputadas federais negras (contra 10 no último pleito) e a 63 o número de brancas (contra 41). Foi também eleita Joênia Wapichana (Rede), a primeira mulher indígena a ocupar uma cadeira no Congresso Nacional.

Na esfera municipal, embora existam apenas 649 prefeitas para 5.570 municípios, nossas representantes mulheres têm formação acadêmica e vida pública consistentes. De acordo com pesquisa lançada este mês pelo Instituto Alziras, 71% completaram o ensino superior (contra 50% no caso dos homens), 70% já ocuparam cargos públicos não eletivos ou de confiança, e 88% possuem atuação política anterior à sua eleição.

O aumento da projeção de nossas vozes ocorre também no cenário internacional. No início de novembro, as eleições legislativas dos Estados Unidos registraram um recorde de eleitas. Entre as mais de cem representantes escolhidas, estão Alexandria Ocasio-Cortez, a mais jovem a entrar no Congresso
americano, Rashida Tlaib e Ilhan Omar, primeiras muçulmanas a ocupar um assento, Sharice Davids e Deb Haaland, primeiras indígenas eleitas.

Ter mulheres em espaços de decisão é uma conquista importante pelo que significa no plano prático e simbólico, mas não apenas isso. Antes de entrar na vida pública, muitas tiveram elas próprias experiências como vítimas de violência e intolerância. E, dessa forma, construíram trajetórias com voz ativa, denunciando abusos e defendendo um mundo mais justo, inclusivo e com mais liberdade de escolhas.

A maior participação de vozes femininas no processo político é um direito e tem o potencial de melhorar a efetividade de políticas públicas em todas as áreas e também de protegê-las. O combate à violência que ocorre na esfera doméstica, seja ela física, sexual ou emocional é pauta fundamental. É também central priorizar a face mais pública da violência, inclusive a violência armada, que faz muitas vítimas mulheres e deixam tantas outras mães órfãs de seus filhos.

Devemos cobrar maior representatividade e compromissos, em todas as esferas de governo, com políticas de prevenção e redução das violências contra mulheres e meninas. Mulheres precisam ganhar protagonismo e reconhecimento em todos os espaços da sociedade. Esta reivindicação não é
“coisa de mulher”. Ao contrário, deve ser um pleito da sociedade. Lutamos, e o direito de sermos respeitadas e escutadas já começou a ser conquistado. A hora é de ampliar nossas vozes, em alto e bom som.

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