Dez motivos para mudar a política de drogas no Brasil
1. É PRECISO CRIAR UM MODELO QUE REALMENTE FUNCIONE
Com o objetivo inicial de acabar com a produção, o comércio e o consumo de drogas, a política atual, focada na criminalização e na repressão, fracassou nessas três frentes: produção, comércio e consumo só cresceram nos últimos 50 anos. Apesar dos esforços repressivos, o Brasil se tornou produtor, importante rota de tráfico e grande mercado consumidor de drogas. Além disso, a chamada guerra às drogas promoveu violência urbana, corrupção e exclusão social. Ainda lotou prisões de usuários, consumindo recursos que poderiam ser aplicados em estratégias mais eficazes.
2. TRATAR DEPENDENTES É MAIS EFICIENTE E BARATO QUE PUNI-LOS
Segundo a ONU, cerca de 10 a 13% dos usuários de drogas desenvolve algum tipo de dependência. Quando a abordagem criminal dá lugar ao direcionamento de usuários problemáticos para os programas de tratamento, os custos dos sistemas penitenciário e judicial são reduzidos significativamente.
3. É POR MEIO DA EDUCAÇÃO, E NÃO DO MEDO, QUE SE PREVINE O USO ENTRE ADOLESCENTES
Campanhas sobre drogas tradicionalmente privilegiam o tom ameaçador e sensacionalista em detrimento da divulgação de informações honestas e objetivas sobre as substâncias psicotrópicas, seu uso e suas consequências. Isso pode orientar tomadas de decisão conscientes, prevenindo o uso e, caso ele ocorra, certos danos relacionados a ele. Portugal descriminalizou o uso de todas as drogas (da cannabis à heroína) em 2001 e investiu na educação de adolescentes para as drogas os recursos antes consumidos com a prisão de usuários. Desde então, cada vez menos adolescentes experimentam drogas no país.
4. A CANNABIS MEDICINAL É ESSENCIAL PARA O TRATAMENTO DE DEZENAS DE DOENÇAS GRAVES
Pesquisas científicas apontam que a cannabis é eficaz no tratamento de doenças como esclerose múltipla, epilepsia e glaucoma, além de aliviar sintomas da Aids, do Mal de Alzheimer e de vários tipo de câncer. Em países onde o uso da cannabis é criminalizado, como no Brasil, pessoas seriamente doentes não podem ter acesso, de forma legal, a um medicamento que alivia seu sofrimento ou que trata dos sintomas de sua condição. É preciso regulamentar o uso da cannabis medicinal, usada tanto na forma natural ou em drogas fabricadas com seus princípios ativos, como já foi feito em diversos países, entre eles Alemanha, Canadá, Reino Unido e Espanha e em boa parte dos Estados Unidos, onde a mudança não implicou em aumento do uso de cannabis entre adolescentes.
5. PESQUISAS CIENTÍFICAS SOBRE DROGAS PODEM MELHORAR A QUALIDADE DE VIDA DE MILHARES DE PESSOAS
Países que criminalizam as drogas proíbem ou dificultam também as pesquisas que investigam tratamentos e práticas mais eficazes para a dependência, além dos potenciais dessas substâncias para fins terapêuticos e medicinais. No Brasil, a Lei de Drogas admite o plantio de cannabis para fins científicos mediante uma autorização de obtenção lenta e difícil. A autorização para pesquisas com todas as drogas ilegais precisa ser emitida sem burocracias para acelerar a produção de conhecimento, logo, de políticas de drogas com melhores resultados.
6. PRECISAMOS SALVAR A VIDA DE MILHARES DE JOVENS BRASILEIROS
Nos últimos 30 anos, mais de 400 mil jovens de 14 a 25 anos morreram assassinados em todo o Brasil. Eram, em sua maioria, jovens negros. Estimativas apontam que de 25% a 50%dos assassinatos cometidos no país têm alguma relação com o tráfico de drogas. Isso quer dizer que entre 1980 e 2011 pelo menos 100 mil jovens morreram em ações policiais de combate ao uso e ao tráfico e em disputas entre facções do crime organizado. A política atual sustenta a ilegalidade e a combate de forma militarizada.
7. DIFERENCIAR USUÁRIO DE TRAFICANTE DESAFOGA O SISTEMA PENITENCIÁRIO
A Lei de Drogas (11.343/2006) isentou usuários da pena de privação de liberdade, mas não criou critérios objetivos para estabelecer quem é usuário e quem é traficante. Resultado: o número de presos quase triplicou desde que a lei foi promulgada e estudos apontam que, dentre eles, existem muitos usuários de drogas enquadrados como traficantes. É urgente, portanto, criar parâmetros objetivos de diferenciação entre usuários e traficantes. Em Portugal, por exemplo, quem porta, sem nenhum outro agravante, até a quantidade necessária para dez dias de consumo é considerado usuário.
8. É POSSÍVEL ENFRAQUECER O CRIME ORGANIZADO
Encarcerar réus primários e não violentos junto a homicidas e a criminosos “de carreira”, em prisões que funcionam como “escolas do crime”, perpetua os ciclos de violência e de reincidências. Pesquisas apontam que 70% das pessoas presas sob a nova Lei de Drogas portavam pequenas quantidades, estavam desarmadas e não apresentavam indícios de relação com o crime organizado. Adotar penas alternativas ao encarceramento é uma forma mais eficaz e barata de reabilitação e ressocialização.
9. AUTOCULTIVO DA CANNABIS AFASTA USUÁRIOS DO CONTATO COM O TRÁFICO E COM OUTRAS DROGAS
Outra maneira de enfraquecer o crime organizado é por meio do autocultivo da cannabis, a substância ilegal mais consumida no país e no mundo. Regular o cultivo de plantas para consumo próprio é afastar usuários do contato com traficantes e com as outras drogas por eles comercializadas. Isso esvazia os recursos do crime organizado. É preciso retirar essa prática da esfera criminal e estabelecer o número de plantas que podem ser cultivadas pelos usuários, individualmente ou em cooperativas reguladas e fiscalizadas.
10. PODEMOS APRENDER COM EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS JÁ EM ANDAMENTO
Mudar a política de drogas não é reinventar a roda. Vários países do mundo já deram passos importantes nesta direção e colheram resultados positivos. Portugal descriminalizou o consumo e a posse de todas as drogas em 2001, mudando o enfoque da questão da esfera criminal para a esfera da saúde. Países como Espanha, Suíça, Holanda, Finlândia e República Tcheca também descriminalizaram o uso de algumas substâncias sem que o consumo aumentasse, e avançaram com experimentos como as salas de consumo controlado para dependentes de substâncias como a heroína e a cocaína injetáveis.
Dezessete estados norte-americanos regularam o plantio e a venda da cannabis medicinal mediante prescrição médica, com fiscalização e taxação de seu comércio. Os estados do Colorado e de Washington regularam a produção, venda e uso da cannabis para fins recreativos entre adultos. A expectativa é de arrecadação de milhões de dólares a serem investidos, principalmente, em educação e tratamento.
Países da América Latina como Colômbia, México, Chile e Argentina estão revendo suas políticas de drogas para combater os efeitos perniciosos do tráfico de drogas e os ciclos de violência. Em dezembro de 2013, o Uruguai legalizou a produção e a venda de cannabis, que será controlada pelo Estado.
Referências:
1. World Drug Report 2013 (p. 13, 24, 27, 41)
Brasil, Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, Primeira Pesquisa Nacional sobre o uso de álcool, tabaco e outras drogas entre estudantes universitários na 27 capitais brasileiras (Brasília, 2010)
2. World Drug Report 2012, disponível em http://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/WDR2012/WDR_2012_web_small.pdf e World Drug Report 2014, disponível em https://www.unodc.org/documents/wdr2014/World_Drug_Report_2014_web.pdf
3. GREENWALD, G. 2009, Drug Decriminalization in Portugal: Lessons for creating fair and successful drug policies, Washington: Cato Institute
4. http://www.drugpolicy.org/issues/medical-marijuana
Ilegal. https://www.youtube.com/watch?v=CtJJ1pzMKxs
O’Keefe K. e Earleywine, M., Use by Young people: The Impact of State Medical Marijuana Laws, Marijuana Policy Project, Maio 2011. Disponível em http://www.mpp.org/assets/pdfs/library/Teen-Use-FINAL.pdf
6. Waiselfiz, JJ (2013) Mapa da Violência: homicídios e juventude no Brasil (www.juventude.gov.br)
ADORNO, S. 1990, Violência Urbana, Justiça Criminal e Organização Social do Crime, São Paulo: Núcleo de Estudos da Violência (USP); SOARES, L. E.; SE, J.T.S.; RODRIGUES, J.A.S. and, PIQUET CARNEIRO, L. 1996, Violência e Política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumara; BEATO, C. and ASSUNCAO, R. 2000, Homicide Clusters and Drug Traffic in Belo Horizonte from 1995 to 1999, Sao Paulo: Anais da 24 Reunião da ANPOCS
7. Departamento Penitenciário (Depen) do Ministério da Justiça. Disponível em: portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE-94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htm>.
Boiteux, Luciana et alli (2009). Tráfico de drogas e constituição: um estudo jurídico-social do tipo do art. 33 da Lei de Drogas diante dos princípios constitucionais-penais. Relatório de Pesquisa, Projeto Pensado o Direito, Ministério da Justiça, Brasília.
8. Ibid.
9. WDR 2013
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