Após do desabamento de prédio invadido, sem-teto acampam no largo do Paissandu

Desenhando cidades seguras

Soluções para problemas de violência urbana e de moradia estão interligadas

9/5/2018
Por Ilona Szabó
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo
Após do desabamento de prédio invadido, sem-teto acampam no largo do Paissandu

A tragédia no largo do Paissandu colocou em evidência a situação desoladora em que vivem habitantes de ocupações irregulares nas cidades brasileiras. No rastro do incêndio e do desabamento, ganha força o debate sobre acesso à moradia em zonas urbanas. Embora fundamental, a questão do déficit de moradias com preço acessível em áreas centrais é apenas um elemento da ampla reflexão que precisa ser feita diante desse desastre. O momento é oportuno para encarar uma conversa sobre como escolhemos desenhar nossas cidades e como essa decisão se relaciona com a segurança pública.

 

No mundo, 54,5% da população vive em áreas urbanas —percentual que, no Brasil, chega a 76%. A situação de parcela significativa desses indivíduos é de baixo acesso a saneamento, escolaridade e serviços em geral: segundo levantamento divulgado ano passado pelo IBGE, 36,1 milhões de pessoas viviam em áreas urbanas em condições de vida baixas, baixíssimas ou precárias no país. Um dos efeitos colaterais do crescimento acelerado e desorganizado é o enfraquecimento das relações sociais, com aumento dos índices de criminalidade e violência. Não é por acaso que metade das cidades mais atingidas pela violência no mundo está no Brasil.

 

Mas quando falamos sobre a construção de áreas urbanas seguras, quais imagens vêm às nossas cabeças? Possivelmente, muros altos, cercas elétricas e câmeras em abundância. De fato, tais elementos são priorizados por abordagens arquitetônicas baseadas na ideia de que criar obstáculos dificulta a ação de indivíduos que cometem crimes. Evidências têm indicado, no entanto, que tal esforço com frequência apresenta resultado inverso. Modelos defensivos têm produzido barreiras físicas para a convivência, reforçando desigualdades e, assim, a insegurança.

 

 

Felizmente, há algumas décadas, urbanistas vêm buscando alternativas a esse padrão, como mostra a prevenção de crimes por meio do desenho ambiental (em inglês, Crime Prevention Through Environmental Design, ou CPTED). O conceito consiste em promover o senso de propriedade de espaços da cidade por seus moradores, com elementos como muros baixos, fachadas de vidro, melhor iluminação e remoção regular de lixo. A lógica é proteger áreas e populações urbanas não pelo isolamento, mas pela visibilidade e conectividade.

 

A criação de espaços de convivência entre cidadãos também fortalece seu engajamento com a manutenção da segurança. Áreas recreativas de alto padrão instaladas em bairros com populações vulneráveis são exemplo disso. Reabilitação de parques urbanos e centros históricos, incluindo políticas que incentivem a moradia nessas áreas, são cruciais. Transporte público de qualidade e barato igualmente entra na equação. No mundo, há diversos exemplos de cidades que apostaram em algumas dessas medidas, como Copenhague, Bogotá e Los Angeles.

 

As soluções para o problema de moradia e da violência nas cidades estão intimamente ligadas. Ambas passam por dar capilaridade a serviços públicos de qualidade e atividades econômicas, assim como ampliar o acesso da população de diferentes faixas de renda às zonas centrais que hoje concentram essas estruturas. A introdução de teleféricos em Medellín foi um gesto simbólico e prático nessa direção, aproximando pessoas de realidades diferentes, literal e figurativamente. A configuração das nossas cidades é capaz de ajudar a fortalecermos nossos laços de confiança, solidariedade e o senso de comunidade. Mais do que isso, a forma como pensamos a nossa urbanização é uma expressão importante dos nossos valores democráticos.

 

Ilona Szabó de Carvalho

Cientista política fluminense, é mestre em Estudos de Conflito e Paz por Uppsala.

 

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