Pesquisa mostra que maioria das apreensões de drogas no Rio é de pequenas quantidades

 

Setembro, 2015

 

BRASÍLIA – Uma pesquisa inédita feita pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) a pedido da Defensoria Pública do Rio e à qual O GLOBO teve acesso mostra que a maioria das apreensões de drogas no estado envolve pequenas quantidades de entorpecentes. Em 2014, o volume de maconha apreendido não passou de seis gramas em 50% das ocorrências, que envolveram uma ou mais pessoas.

O levantamento foi feito em meio ao julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal, em que há um debate também sobre a possibilidade de se estabelecer parâmetros objetivos de quantidade de droga para que as autoridades diferenciem traficante de consumidor.

A pesquisa do ISP considerou os 24.037 flagrantes de drogas portadas por pessoas que a polícia fluminense registrou ano passado. Em 75% dos casos, o volume máximo de maconha chegou a 42,6 gramas por ocorrência. Em 90%, a quantidade aprendida não passou de 200 gramas. Para cocaína, 11 gramas foi o máximo apreendido em 50% das ocorrências, chegando a 155 gramas em 90% dos casos. Quanto ao crack, foram até 5,8 gramas em metade das apreensões, não passando de 62,6 gramas em 90% das ocorrências.

O próprio ISP concluiu, no estudo, que “boa parte da energia gasta com a repressão às drogas tem resultado, em média e excetuada as grandes operações, em casos de pouquíssima massa de droga apreendida, o que parece não interferir, inclusive, na dinâmica do narcotráfico no estado”. Para Rodrigo Pacheco, subdefensor público-geral do Rio de Janeiro, o estudo mostra que o foco da segurança pública está equivocado:

— As ações estão voltadas para pessoas que portam pequenas quantidades, o que indica que muitos presos são, na verdade, usuários. É preciso um critério objetivo de quantidade para evitar que seis gramas de maconha no Leblon sejam considerados para uso e a mesma quantidade na favela seja enquadrada como tráfico.

Conforme mostrou O GLOBO no último dia 31 de agosto, de acordo com pesquisa da Divisão de Coleta e Tratamento de Dados do Tribunal de Justiça, de 2013 a julho de 2015, foram abertos 20.984 processos por porte de drogas para uso próprio, contra 20.823 referentes a pessoas acionadas por tráfico.

 

MINISTROS VOTAM POR DESCRIMINALIZAR

Segundo a Lei 11.343, de 2006, usar drogas no Brasil não é crime, mas portar, sim, mesmo que para consumo. Segundo a legislação, que não estabelece quantidades para diferenciar uso de tráfico, a pena para quem é condenado como consumidor inclui advertência, prestação de serviço comunitário e medida socioeducativa. O indivíduo também perde a condição de réu primário. No julgamento no STF, o ministro Gilmar Mendes votou pela descriminalização do porte de todas as drogas para consumo, enquanto Edson Fachin e Luís Roberto Barroso se mostraram a favor de flexibilizar apenas a posse de maconha. O julgamento foi interrompido quando Teori Zavascki pediu vista do processo. Oito ministros ainda precisam votar.

Em seu voto, Barroso sugeriu estabelecer 25 gramas de maconha como limite para diferenciar consumidor de traficante. Na opinião do psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), porém, um usuário recreativo pode consumir cerca de 75 gramas de maconha em um mês. O médico participou de um estudo com especialistas de diferentes áreas para sugerir limites para diferenciar uso de tráfico em relação a diferentes drogas.

— Se pensar em 75 gramas de maconha, não são nem três gramas por dia. É uma quantidade ínfima, de usuário recreativo. No caso da cocaína, até 20 gramas podem ser para uso recreativo — diz Silveira. — Um dependente consome muito mais que isso. O que essas apreensões mostram é que a polícia está prendendo usuários, não traficantes.

Há quem discorde desse posicionamento. Presidente da Associação Brasileira de Álcool e Drogas (Abead), a psiquiatra Ana Cecília Marques considera que o debate, sobretudo depois do início do julgamento no STF, está desvirtuado por “ideias simplistas” e “mitos”:

— Se a pessoa porta 25 gramas todo dia pode se tratar, sim, de um pequeno traficante. A lei pode ser melhorada para corrigir prisões por discriminação social. Mas isso ocorre com uma parcela pequena, porque a lei no Brasil, há tempos, retirou a pena de prisão para o usuário de droga — afirma a psiquiatra, que defende, primeiramente, uma política de drogas eficiente, no campo da prevenção e do tratamento, para só depois se pensar em descriminalizar qualquer tipo de droga no Brasil.

Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim) e secretário-executivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, o advogado Cristiano Maronna não concorda com a ideia de que o país não esteja pronto para descriminalizar as drogas:

— É verdade, em parte, que não há políticas de prevenção ou tratamento para dependentes. Mas o estigma criminal associado ao usuário de drogas faz a pessoa ter mais dificuldade de buscar ajuda.

O defensor Rodrigo Pacheco, que é membro do grupo de trabalho de políticas públicas sobre drogas da Defensoria Pública do Rio, defende a fixação de quantidades, mas não como um critério absoluto:

— Não é uma autorização para andar com a quantidade de droga arbitrada. Dependerá das circunstâncias. A diferença é que demandaríamos uma investigação para enquadrar alguém portando algo dentro do limite, o que hoje é feito por outros critérios, como cor e condição econômica.

 

ESTUDANTE FLAGRADO COM 40 GRAMAS

Num sábado de agosto, em plena luz do dia, por volta das 16h, o universitário Felipe (nome fictício), de 25 anos, foi flagrado com 40 gramas de maconha, na Linha Amarela. Usuário desde os 18 anos, ele adotou a rotina de buscar a droga, uma vez por mês, na casa de um colega, na região do Grande Méier.

— Não gosto de correr riscos, por isso só fumo em casa. Quarenta gramas são a quantidade necessária para o meu consumo mensal. Não sou traficante, só uso maconha. Quando fui parado pelo policial, ele me disse que deveria andar apenas com um baseado para não ser preso. Eu cheguei a falar com a polícia que o STF estava julgando a questão da descriminalização das drogas, mas o PM me disse: ‘Nós sabemos, mas, enquanto não for aprovado, está valendo’ — lembra Felipe.

 

Renata Mariz, colaboraram Sergio Matsuura e Vera Araújo, O Globo

O Instituto Igarapé lançou uma nota técnica sugerindo critérios objetivos de distinção entre usuários e traficantes. Leia aqui!

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