Cidades são fundamentais
As cidades globais não são apenas a forma dominante de organização social no século XXI, elas são também a solução para muitos dos desafios mais difíceis do planeta. Afinal, mais da metade da população mundial já vive em cidades, e são elas que geram quatro quintos do PIB mundial. O número espantoso de 2.100 cidades conta com uma população de 250 mil pessoas ou mais, entre elas um número crescente de megacidades e aglomerados urbanos de pelo menos 10 milhões de habitantes.
A crescente influência das cidades não é apenas resultado da demografia e da economia. Também tem a ver fundamentalmente com política, incluindo um renascimento da governança democrática em escala urbana. Muitas cidades estão prosperando e gerando mudanças positivas enquanto os estados caem em impasses e na desordem. Como mostrou amplamente a corrida presidencial deste ano nos Estados Unidos, em que mesmo os estados-nação mais poderosos do mundo podem ser paralisados pelo populismo reacionário, pela polarização e por escândalos.
Ao mesmo tempo que alguns líderes políticos falam em levantar paredes, as cidades estão ficando conectadas umas às outras. Em um mundo globalizado interconectado, as cidades são as entidades políticas mais interdependentes. Elas são transacionais, orientadas ao comércio, abertas e definidas por pontes físicas, intelectuais e digitais e não por fronteiras. Ligadas pelo denso intercâmbio de ideias, capitais e pessoas enfrentam desafios comuns, como a mudança climática, a migração, a desigualdade e o terrorismo. As redes de cidades são o novo normal.
Para que possam realmente resolver alguns dos problemas mais difíceis do mundo, as redes de cidades precisam fazer mais do que intercâmbio de ideias e melhores práticas. Para que a governança urbana geral prospere, as cidades precisarão desenvolver parcerias proativas além das fronteiras nacionais e internacionais. Existem centenas, até milhares, de cidades em rápido crescimento na África, Ásia e Américas que estão literal e figurativamente fora da rede. Cidades globais arquetípicas, como Londres, Nova York, Paris e Tóquio, estão desviando nosso olhar dos municípios no hemisfério sul que estão lutando para se manterem funcionando.
Cidades e bairros pobres em rápida expansão nos países em desenvolvimento estão precisamente onde, na prática, vai ocorrer todo o futuro crescimento populacional. Muitos deles, que estão batalhando para atrair e reter investimentos e talentos sofrem de extrema desigualdade e desvantagens concentradas. Se de um lado as cidades bem-sucedidas estão reescrevendo seus contratos sociais, as cidades mais frágeis estão assistindo de forma impotente ao desmantelamento de seus contratos sociais.
Uma maneira de ajudar a garantir que metrópoles de todos os tamanhos e condições possam se beneficiar com a revolução urbana é construindo novos modos de colaboração entre cidades e fronteiras. Algumas cidades já estão refazendo agressivamente suas redes. Tomemos o caso da United Cities and Local Governments (UCLG) que surgiu após a Primeira Guerra Mundial a fim de facilitar o intercâmbio de pesquisas e melhores práticas. Existem dezenas de outros consórcios de cidades, entre eles Metropolis e a rede C40 Climate Cities que ajudaram a defender o acordo sobre o clima em Paris, conhecido como CoP-21.
Mesmo assim, ainda não há nenhuma plataforma legítima e eficaz para promover a ação coletiva das cidades e resolver os problemas mais difíceis. Se os prefeitos desejam reduzir as emissões de carbono ou criar maneiras mais inteligentes para lidar com a migração, precisam elaborar novas formas de trabalhar e projetar soluções juntos. Coletar dados, compartilhar lições e se aproximar de instituições globais são os primeiros passos. Tão importante quanto isso é tentar influenciar instituições internacionais, definindo regras para identificar prioridades comuns, prestar serviços aos cidadãos e manter uma boa governança.
Os críticos dirão que se já é bem difícil chegar a um consenso entre menos de 193 estados-nação, o que dizer no caso de milhares de cidades? Parte da resposta se resume à natureza intrinsecamente colaborativa das cidades. Estados-nação são independentes, competitivos e separados por limites territoriais, enquanto cidades são interdependentes, cooperativas e estão cada vez mais forjando mais parceiras positivas em que todos os lados ganham. Com o advento do Brexit e dos movimentos populistas na Europa, os estados-nação estão começando a parecer paroquiais; já um número crescente de cidades está se tornando cosmopolita e universal em seus valores.
É urgentemente necessário ter um corpo de governança global, construído propositadamente para e pelas cidades, um Parlamento Global de Prefeitos. Isso não é uma construção teórica – já está em curso. Em setembro passado, um grupo de mais de 70 prefeitos e representantes de mais de duas dúzias de redes de cidades se reuniram em Haia para estabelecer um pacto. Na reunião inaugural, cidades completamente diversas como Buenos Aires, Cidade do Cabo, Nova Delhi e Paris abordaram prioridades comuns relacionadas à mudança climática, imigração, governança e segurança pública.
O futuro cenário internacional será marcado pela volatilidade e pela incerteza. Há uma reordenação sísmica da ordem internacional em andamento que se estende dos Estados Unidos e Europa ao sul e leste da Ásia. Não há soluções simples e existem muitos pontos potenciais de conflito. A verdade é que o caminho para democracia, sustentabilidade e estabilidade não passa pelos estados-nação, mas pelas cidades. Em vez de ficarem parados, os moradores das cidades já estão levantando as mangas para realizar algo. Agora é hora de capacitar os prefeitos para erguer esses esforços a um patamar global.
Esse cenário que descrevemos é o tipo de solução criativa que a Global Challenges Foundation está buscando ao lançar o New Shape Prize, que premiará os novos modelos de cooperação global capazes de lidar com as mais sérias ameaças à humanidade. Acreditamos que ele pode ser um incentivo para inspirar o pensamento visionário sobre essa questão vital em vários continentes.
Por Robert Muggah e Benjamin Barber
Artigo de Opinião publicado em 17 de Janeiro de 2017
Valor Econômico