O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, e o líder das Farc, Rodrigo Londoño, se cumprimentam na cerimônia que marca a conclusão da entrega das armas da guerrilha

Artigo: Colômbia com nervos à flor da pele

Às vésperas de eleições legislativas, país vive clima de descontentamento

 

11/03/2018
Adriana Erthal Abdenur
Publicado originalmente em O Globo

RIO – Às vésperas das primeiras eleições nacionais no país desde a assinatura do acordo de paz entre o governo de Juan Manuel Santos e as Farc, em novembro de 2016, foram registrados episódios de violência eleitoral. Os ataques alvejaram não apenas candidatos da esquerda, mas também os de direita. Enquanto isso, nas redes sociais, circulam as fake news, divulgando versões caricaturais e extremistas dos candidatos. Por que a Colômbia anda com os nervos à flor da pele?
Três fatores tendem a acirrar o clima. Primeiro, há vasto descontentamento da população com o governo de Santos, inclusive pela desaceleração da quarta maior economia da América Latina. De acordo com relatório recente do Fundo Monetário Internacional, o país encontra-se numa encruzilhada: após choques externos que diminuíram o crescimento e aumentaram a inflação e o déficit externo, se depara com o desafio de consolidar sua recuperação e implementar um modelo de desenvolvimento mais inclusivo.

A despeito de alguns avanços no combate à pobreza, muitas partes da Colômbia permanecem em condições precárias, com pouca infraestrutura e sem serviços sociais confiáveis. A concentração de terra está entre as maiores na América Latina, e persistem grandes disparidades de gênero e regionais. Cerca de sete milhões de pessoas foram deslocadas pelo conflito, e a violência continua alimentando essa migração forçada. A rejeição ao governo Santos alimenta a polarização e abre espaço para manobras populistas.

Em segundo lugar, o acordo de paz ainda provoca debates acirrados. A garantia de representação legislativa oferecida à Farc gera desconforto entre os colombianos que se opuseram ao desfecho das negociações. Muitos defendem uma abordagem estilo mano dura para questões de conflito e violência, em vez de resolução pacífica e políticas preventivas.

 

Finalmente, ainda há muita incerteza em torno dos pontos do acordo, incluindo a criação de um sistema de justiça de transição. Ataques a defensores de direitos humanos vêm aumentando. Negociações de paz com a segunda maior guerrilha, o Exército de Libertação Nacional (ELN), foram suspensas após atentados. Grupos paramilitares de ideologia conservadora continuam fazendo justiça com as próprias mãos. O clima de insegurança aumenta com a suspeita de que dissidências das Farc estejam se fortalecendo em alguns estados. De acordo com estimativas, muitos dos entre 1.000 e 1.500 combatentes dissidentes estariam envolvidos com organizações criminosas.

Com tantas incertezas, o desfecho das eleições de hoje, assim como da presidencial em maio, será influenciado também por questões sociais e políticas. Longe de ser apenas econômica, a encruzilhada na qual se encontra a Colômbia tem a ver com a pergunta que ainda se fazem muitos colombianos: o país realmente pôs um fim ao conflito?

* Coordenadora da área de Paz e Segurança do Instituto Igarapé

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