Política de drogas sem ideologia

Médicos, policiais, advogados, juízes, cientistas sociais, secretários de Segurança Pública e até ex-ministros e ex-presidentes já se colocaram a favor de mudanças na política de drogas brasileira. Pedem a retirada do uso da esfera criminal, consolidação de programas de redução de danos e a regulamentação da maconha medicinal, como primeiros passos. Fazem-no a partir do diagnóstico de que a atual política – que não menciona critérios objetivos de distinção entre uso e tráfico e tampouco tem por regra a adoção de penas alternativas à prisão para microtraficantes – não apenas falhou na promoção de saúde e do bem-estar da população, como também teve consequências graves. Entre tais efeitos, estão o aumento da violência e prisões.

O atual debate gira em torno do avanço dessas mudanças. A fala do ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, sobre a necessidade de endurecer penas para usuários vai contra evidências científicas na área de atenção e tratamento ao abuso de drogas. Contudo, embora sua pasta tenha assento no Conselho Nacional de Política de Drogas (Conad), não é ela que formula as políticas públicas da área. Estas são incumbência do Ministério da Justiça, mais especificamente da Secretaria Nacional de Políticas de Drogas (Senad), que preside o Conad.

Nesse ministério, o cenário ainda é incerto. O novo secretário ainda não tomou posse, mas o ministro Alexandre de Moraes acaba de acertar ao declarar que precisamos pensar em medidas alternativas à prisão para pequenos traficantes não violentos. O assunto está sendo debatido no STF, assim como a retirada do usuário da esfera criminal. Não precisamos esperar o Judiciário para avançar nessas reformas. No mandato da presidente Dilma, não avançamos nas questões políticas sobre o tema, mas a Senad avançou bastante em seu trabalho técnico e de replicação de boas práticas, tendo a saúde pública, a redução de danos e a inclusão social como nortes da política. Esse trabalho precisa ser continuado.

Contudo, apesar dos poucos avanços, ainda somos lanterna nas Américas quando se trata de política de drogas. Quase todos os países da região deixaram de considerar crime o uso de drogas – e alguns jamais o fizeram. O México, por exemplo, está ajustando seus critérios objetivos da Lei de Drogas, aumentando de 5g para 28g a quantidade de maconha cujo porte seria indicativo de uso pessoal e, portanto, descriminalizado. O Canadá acaba de extinguir a previsão de pena mínima para pequenos traficantes reincidentes. O Chile já está colhendo a primeira safra de maconha para fins medicinais completamente regulamentada, sem a necessidade de trâmites inticados para importação, como é feito ainda por aqui.

Quando olhamos para nosso entorno, fica ainda mais patente que não é hora de voltar atrás nos curtos, porém firmes, passos que já demos em direção a uma nova política de drogas, ancorada em evidências científicas, e não ideologias. O Brasil deve unir esforços com países vizinhos que lideram um debate informado em nossa região, dentre os quais estão Colômbia, México e Uruguai. Esperamos que as novas lideranças do Ministério da Justiça e da Senad tenham coragem de avançar na direção de políticas de drogas mais humanas e eficientes. Esperávamos nada menos de governos anteriores e esperamos o mesmo de vindouros. Somos lanternas, mas ainda há tempo de escapar da zona de rebaixamento. É hora de agir.

Por Ilona Szabó e Ana Paula Pellegrino
Artigo de opinião publicado em 11 de junho de 2016
O Globo

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