O futuro já começou: propostas para seis áreas que precisam superar dificuldades

O Globo

Janeiro, 2018

RIO — A costureira Maria da Graça, de 69 anos, deseja um 2018 sem crise nos hospitais. A doméstica Francisca de Souza, de 57, espera ter mais segurança nas ruas. Já Viviane Cardoso, de 22, que está desempregada, torce pela recuperação da economia. Ao selar o fim de 2017, o réveillon levou os cariocas a refletirem sobre as dificuldades a serem superadas neste novo ciclo. Segurança, economia, transportes, conservação, saúde e entretenimento são áreas sensíveis da cidade que têm desafios pela frente. A partir dessa lista de temas, especialistas apontam soluções que vão desde a revisão de processos de gestão até a simples vontade política de executar ações.

O infectologista Edmilson Migowski, professor da UFRJ, aponta que as compras de remédios e insumos em maior quantidade e em conjunto podem ajudar a mitigar os problemas de caixa. O arquiteto e urbanista Washington Fajardo chama a atenção para o abandono da Orla Conde, faz um alerta sobre a necessidade de fiscalização na Zona Portuária e traça uma meta para o ano: “Assumir a vocação de reocupação residencial do Porto e do Centro”.

Em relação à segurança, a cientista política Ilona Szabó, diretora do Instituto Igarapé, afirma que a PM deve intensificar o patrulhamento nas áreas de manchas criminais — onde autoridades identificaram, por meio de levantamentos de registros, as ocorrências mais frequentes. Par reverter o caos nos transportes, o engenheiro Paulo Cezar Ribeiro, professor da Coppe/UFRJ, defende que o sistema se torne mais eficiente com a racionalização das linhas; ou seja, com um reordenamento de percursos e integrações a partir de análises da demanda.

Já o economista Sérgio Besserman chama a atenção para o impacto que ações de ordenamento urbano e limpeza das ruas têm no setor de serviços e também no astral dos cariocas.

ECONOMIA

Uma cidade vocacionada para o turismo e o setor de serviços não pode descuidar de seu ativo intangível mais valioso: a marca que projeta para o mundo. Na visão do economista da PUC-RJ Sérgio Besserman, ações que incrementem a sensação de segurança, bem como o ordenamento urbano e a limpeza das ruas, podem ajudar na recuperação do setor.

— O tipo de crescimento macroeconômico de 2018 pode ajudar o Rio. Começamos a ver uma demanda reprimida no setor de serviços. Mas é importante favorecer esse impulso. A noite carioca morreu em 2017. Se ela ressuscitar este ano, já será uma grande coisa — diz Besserman, que enumera sugestões: — Fazer um combate mais intenso ao narcotráfico, garantir a segurança do cidadão, manter limpas as ruas, que voltaram a ficar sujas, e impedir a camelotagem. Tudo isso ajuda a trazer de volta o astral carioca, e gera um bom impacto econômico na cidade.

No âmbito da administração pública, o economista sugere aos gestores melhorar a eficiência dos processos:

— Que os gestores enfrentem a crise e superem a falta de recursos se tornando mais eficientes e transparentes.

SAÚDE

Antes vista como tábua de salvação para os pacientes que ficavam sem atendimento em unidades estaduais, a rede municipal passou a padecer da mesma “doença’’. A falta de médicos, leitos e remédios provocou um colapso na saúde do Rio, com reflexos também na rede federal. Para o infectologista Edmilson Migowski, professor da UFRJ, a solução é uma gestão eficiente e um maior investimento em promoção de saúde.

— Uma ação que pode mitigar a falta de caixa é fazer compras de remédios e insumos em maior quantidade. Existem alguns municípios que fazem convênios e se juntam para conseguir um preço melhor. Pagar em dia também é importante. Hoje, muitos fornecedores não se interessam em vender porque não têm certeza se vão receber — explica.

Para o especialista, o melhor remédio para a crise na saúde é a educação.

— O problema de saúde do Brasil é a falta de educação. Não se consegue mudar ou quebrar paradigmas sem um investimento pesado na educação voltada para a promoção de saúde — diz.

CONSERVAÇÃO

Consolidada como um atrativo turístico da cidade após a Olimpíada, a Orla Conde não demorou a apresentar falhas na manutenção. O cuidado com o espaço público é, na visão do arquiteto e urbanista Washington Fajardo, fundamental para que o município entre em um novo ciclo econômico.

— O espaço público da cidade está completamente abandonado. A cidade está em crise, e há uma visão equivocada da prefeitura de como devem ser cuidadas todas as áreas que tenham função turística — avalia o especialista, que aponta a fiscalização como arma contra os problemas: — Não é preciso dinheiro para fazer fiscalização. A prefeitura tem um corpo de funcionários e precisa botá-lo para trabalhar.

O abandono do espaço público também é apontado por Fajardo como impeditivo para a vocação residencial do Centro.

— Do ponto de vista de desenvolvimento urbano, é importante que as regiões do Porto e do Centro assumam a vocação de ter uma reocupação residencial. A prefeitura não deve medir esforços para que isso aconteça.

ENTRETENIMENTO

Cortes na subvenção às escolas de samba e o plano de um espaço para desfiles de blocos de rua, que ficou conhecido como “blocódromo”, pareceram uma ameaça à corte de Momo. Mas os realizadores da folia carioca garantem que, com força de vontade e ajuda do financiamento privado, não deixarão de animar a cidade.

— Não importa se existe crise, política ou econômica, a cultura de rua no Rio é orgânica. O carnaval vive por si só. Não dependemos do prefeito, pois conseguimos patrocínio direto de empresas. Mas a minha mensagem é que não tenhamos medo, vamos para a rua com ou sem dinheiro — diz Rita Fernandes, presidente da Sebastiana, liga que reúne 12 blocos cariocas.

Na opinião do economista Sérgio Besserman, no entanto, medidas como os cortes nos subsídios das escolas de samba e o fim dos ensaios na Sapucaí podem causar impacto econômico negativo:

— Essas ações revelam uma certa falta de conhecimento de que o carnaval bem-sucedido, além do que rende em termos econômicos, é um degrau para reconstruirmos o espírito do Rio.

SEGURANÇA

Além de ser prioridade em 2018, na opinião da cientista política Ilona Szabó, diretora-executiva do Instituto Igarapé, a segurança do Rio precisa ter seus recursos, mesmo que escassos, bem empregados.

— Precisamos de um policiamento inteligente. A Polícia Militar deve focar no planejamento e operacionalização de patrulhamento de manchas criminais, aproveitando os recursos do IspGeo, sistema de análise criminal do estado, fruto de uma parceria entre o Instituto Igarape, empresários e a Secretaria de Segurança do Rio. A Polícia Civil precisa investir em inteligência e na investigação dos crimes. O aumento do esclarecimento dos homicídios é crucial para a reversão do quadro.

No âmbito municipal, a especialista diz que a prefeitura precisa atuar na prevenção da violência, concentrando suas políticas de desenvolvimento social e econômico nas áreas mais vulneráveis:

— A Guarda Municipal deve ser modernizada para atuar mais próxima ao cidadão e em conjunto com a Polícia Militar, reforçando o patrulhamento de regiões com grande fluxo de pessoas e áreas turísticas.

TRANSPORTE

Paralisações constantes de linhas de ônibus, o BRT depredado e com evasão na ordem de 41 mil passageiros por dia, queda de braço em torno do valor da tarifa e vans ilegais que voltaram a circular são alguns sinais de que o sistema municipal de transportes trafega rumo ao colapso. Para o engenheiro de transportes Paulo Cezar Ribeiro, professor da Coppe/UFRJ, uma das soluções para a crise pode estar no processo de racionalização das linhas — projeto que foi iniciado na gestão do ex-prefeito Eduardo Paes e suspenso por Marcelo Crivella, que ainda não apresentou um novo plano.

— O sistema tem que se adaptar e se tornar mais eficiente para não gerar prejuízos econômicos às empresas e, no final das contas, prejudicar os usuários. Isso é vital. Não há margem para erros — diz o especialista, que aponta também para a integração dos sistemas: — O sistema de transportes numa cidade do porte do Rio não comporta mais serviços independentes entre si. Eles têm que ser integrados, física e tarifariamente. Ônibus-metrô-trem-VLT e outros têm que se complementar visando à otimização das viagens.

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