Menos estado, mais prisão: a rota do milhão

Alguns candidatos continuam a pensar a segurança pública como sinônimo de arma, polícia e prisão, numa política de “ganha quem tiver calibre mais grosso”

31/08/2018

Por Conrado Hübner Mendes

Publicado originalmente na Época

Não existe Estado mínimo grátis. Estudiosos da segurança pública e da economia política do crime, em diversas partes do mundo, identificam que a retração de políticas de bem-estar gera expansionismo nas políticas de repressão: do minimalismo governamental ao maximalismo penal, o caminho de um ponto a outro não é acidente ou mera coincidência. Quanto menos dinheiro público de um lado, mais do outro. As variáveis e causalidades são mais complexas do que essa equação sugere, mas a síntese da correlação mostra-se universal. Falta-nos, portanto, um retrato fiel sobre o significado do Estado mínimo: o apelido do “Estado-guarda-noturno”, aquele vigia simpático que protege sua casa (em bairro nobre), na prática significa “Estado-penitenciária”. Sai caro para todo mundo.

O problema, claro, não é só de finanças públicas. O Brasil vive sob vertiginosa taxa de crescimento de sua população carcerária, que já ultrapassou os 700 mil, a terceira do mundo. Os presos sem condenação tangenciam os 300 mil. O déficit de vagas ultrapassa os 350 mil. Segundo dados oficiais, os mandados de prisão em aberto beiram os 600 mil. Se tudo der certo, o projeto brasileiro de encarceramento em massa ultrapassará 1 milhão de “beneficiários” no fim desta década ou começo da próxima.

Corremos sem freio na rota do milhão, pequena parcela do Produto Interno da Brutalidade Brasileira, nosso PIBB.

O problema, claro, não é só de números. A população carcerária brasileira é composta de maioria de homens jovens, negros, que não completaram o ensino fundamental. Essa maioria foi presa por crimes contra o patrimônio (37%) ou de tráfico de drogas (28%), típicos de pessoas de alta vulnerabilidade socioeconômica. Por homicídios, apenas 11%. A Constituição de 1988 proíbe tratamento desumano ou degradante e também as penas cruéis (Art. 5º), uma homenagem insólita às condições de insalubridade de nossas prisões.

O problema, claro, não é só de violação de direitos. O crime organizado aprendeu a lucrar com isso. Multiplica a violência nas ruas e nossa sensação de insegurança. Nos últimos cinco anos, por exemplo, o PCC aumentou em 700% seus integrantes fora do estado de São Paulo (de 3 mil para 20 mil). O sucesso empresarial do PCC está imbricado no sistema prisional (recomendo o recém-lançado livro A guerra — A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil, escrito por Bruno P. Manso e Camila N. Dias). Uma forma de resumir a lei geral do encarceramento brasileiro seria esta: quanto mais prisão, mais crime organizado; quanto mais crime organizado, maior corrosão da política e da democracia. Como muitas leis sociológicas, são contraintuitivas, ignoram ideologias e desafiam o senso comum. A política pública falha em neutralizá-las. Os autores morais e intelectuais do massacre prisional brasileiro não habitam apenas os palácios de governo, as Assembleias e os quartéis, mas também os palácios de Justiça.

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