Lei de refúgio clama por políticas e investimentos

Por Maria Beatriz Bonna Nogueira e Maiara Folly | 25 de Julho de 2017
Publicado originalmente em JOTA

Considerada uma das mais avançadas do mundo, a lei brasileira de refúgio completou vinte anos no último sábado, 22. Contudo, a insuficiente resposta do governo brasileiro ao intenso fluxo migratório de venezuelanos na fronteira deixa claro que, mesmo após duas décadas, o Brasil ainda carece de meios para implementar sua lei de modo eficaz.

Em um momento em que o mundo convive com 22.5 milhões de refugiados e 40.3 milhões de deslocados internos, números superiores aos do pós 2a Guerra, é fundamental que o Brasil esteja preparado para acolher quem busca abrigo em seu território.

Hoje o país é lar de apenas 9.689 refugiados reconhecidos. Esse número equivale a menos de 0.005% de sua população de mais de 207 milhões. Ainda assim, a correta aplicação da lei 9474/97 tem sido dificultada pela falta de políticas públicas. Nesse vigésimo aniversário, o governo do Brasil poderia presentear sua lei com os devidos investimentos.

Em primeiro lugar, a lei precisa de um corpo técnico robusto e especializado para aplicá-la. Desde 1997, não houve qualquer incremento na estrutura de cargos que atende ao Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), órgão ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Para processar um número crescente de solicitações de refúgio pendentes, que já ultrapassa 35 mil, a coordenação do Comitê tem dependido de funcionários cedidos, voluntários e estagiários que, apesar de competentes, carecem de vínculo duradouro com o órgão. É crítico que se organize um concurso público para que o CONARE consiga atender um universo de pedidos que, nos últimos anos, cresceu mais de 2.868%.

Em segundo lugar, é urgente que se desenvolva um sistema informatizado de processamento de pedidos que permita centralizar dados e reduzir a média de dois anos que solicitantes precisam esperar para saber se serão reconhecidos como refugiados.

Um terceiro investimento necessário é o contínuo apoio à descentralização do atendimento a solicitantes e refugiados. Recentemente, o escritório do CONARE no Rio de Janeiro teve que fechar as portas por falta de pessoal. Em um país de dimensões continentais, a assistência a refugiados não pode seguir restrita a duas ou três cidades. O Estado precisa estar presente em áreas estratégicas, como centros urbanos e em regiões fronteiriças.

Finalmente, o Brasil deve criar alternativas legais para que migrantes possam buscar oportunidades no país sem precisar sobrecarregar ainda mais o sistema de refúgio. Para tanto, a recém sancionada lei de migração deve ser regulamentada de maneira responsável e participativa, de modo que se mantenham os avanços conquistados.

Da mesma forma, deve-se rever o veto presidencial à nova lei de migração que barrou a concessão anistia a migrantes em situação irregular. Prática consolidada desde os anos 80, a anistia beneficiaria milhares de migrantes em solo brasileiro, muito dos quais são submetidos a condições de trabalho degradantes. Em agosto, o Congresso terá a oportunidade de deliberar sobre os vetos e corrigir essa e outras injustiças.

A falta de instrumentos e recursos para lidar com a realidade de crescente mobilidade humana tem sido principalmente sentida no norte do Brasil, onde cerca de 13 mil venezuelanos já solicitaram refúgio em 2017. Em Roraima, os recém-chegados estão expostos à uma série de violações, incluindo exploração laboral e violência verbal e física. Ainda há tempo para evitar o agravamento da emergência humanitária. Para isso, o influxo de venezuelanos deve ser encarado como oportunidade para que os direitos previstos pela exemplar lei brasileira não fiquem apenas no papel.

 

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