Guia auxilia defesas em casos relacionados a drogas

Publicação do Instituto Igarapé mapeia dificuldades da defesa, calcula taxas de superencarceramento e propõe soluções

[Press Release] Outubro de 2016

As penas praticadas para crimes relacionados a drogas devem seguir, como as demais, o princípio jurídico da proporcionalidade. Na prática, porém, não é o acontece, como mostra a nova publicação do Instituto Igarapé. Direito à defesa e à proporcionalidade: documento de apoio para defensores mapeia dificuldades impostas pela legislação a operadores do sistema criminal, sobretudo em casos relacionados a drogas, que acabam contribuindo para o agravamento da estigmatização de grupos vulneráveis. O material mostra ainda o crescimento exponencial do número de prisões por crimes ligados a drogas e propõe soluções práticas para problemas como a falta de critérios objetivos para a distinção entre uso e tráfico.

O lançamento marca os 10 anos da atual Lei de Drogas no Brasil, que entrou em vigor em outubro de 2006. “A lei 11.343 foi responsável pela despenalização – porém não a descriminalização – do porte para consumo pessoal de drogas no Brasil. Ao não elencar critérios objetivos de distinção entre uso e tráfico, acabou deixando policiais e juízes sem um quadro de referência claro de como classificar condutas. Em outros países europeus e latino-americanos, a prática corrente é o uso de quantidades de referência em conjunto com critérios subjetivos”, justifica Ilona Szabó, diretora-executiva do Instituto Igarapé.

Ainda segundo Ilona, a atual política de combate às drogas privilegia o uso ostensivo e desproporcional da força – em lugar de priorizar crimes violentos e o trabalho investigativo necessário para o desmonte de redes criminosas. “Prendemos muito, mas prendemos mal. Assim, alcançamos níveis de criminalidade, de homicídios e de população carcerária sem precedentes no país”, ressalta.

Consequências traduzidas em números

O estudo analisou dados do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen/MJ) para mostrar o impacto da atual política de drogas. Em 2006, ano da promulgação da lei, apenas 15% dos presos respondiam por crimes relacionados a drogas, número que, em 2014, chegou a 28%. De 2005 a 2014, o crescimento do número de crimes de tráfico no universo da população encarcerada cresceu em média 18,1% ao ano, enquanto o de outros crimes cresceu menos de 8% ao ano no mesmo período.

Entre mulheres, o encarceramento aumentou 567% entre 2000 e 2014, e 68% das presas hoje são acusadas ou foram condenadas por crimes relacionados a drogas. “Hoje uma mulher presa tem 2,5 vezes mais chance estar na cadeia por tráfico do que um homem preso. A cifra deixa claro o quão penalizante a atual legislação e prática tem sido sobre esta população”, analisa Ana Paula Pellegrino, pesquisadora do Igarapé.

Soluções

Além da questão da proporcionalidade, do superencarceramento e da falta de critérios objetivos de distinção, a publicação aponta a criminalização do porte de drogas para consumo pessoal, atualmente em debate no STF, como problema-chave do atual sistema. Embora alguns desses problemas só possam ser solucionados com mudanças no marco legal, outros podem encontrar base suficiente para mudanças substantivas na mudança da prática jurídica e na criação de uma nova jurisprudência. A publicação propõe cenários de quantidades de referência de posse de drogas, baseados em padrões de consumo nacionais, que podem ser utilizados ao estruturar argumentos de defesa.

O guia traz também uma listagem que mapeia os serviços no município do Rio de Janeiro voltados a pessoas em situação de vulnerabilidade social, seja em situação de rua, egressas do sistema penitenciário ou com problemas com drogas: Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e outras Drogas (CAPS-AD), Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e a rede de abrigos.

“É importante que a população e outros atores conheçam esses serviços. O Rio ainda carece de programas que integrem iniciativas de moradia, trabalho e redução de danos para pessoas que abusam de drogas, como já é feito, por exemplo, em São Paulo, com o De Braços Abertos”, finaliza a diretora do Igarapé.

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