Prevenção pode reverter criminalidade

14 October, 2016

 

O crescimento acelerado nas últimas décadas tornou as cidades latinoamericanas frágeis do ponto de vista da urbanização. Altos índices de violência são algumas das consequências. Para reverter esse quadro, são necessárias políticas de prevenção estratégica à criminalidade aliadas ao policiamento inteligente. A constatação é da pesquisadora Ilona Szabó de Carvalho, de 38 anos, coordenadora do escritório para as Américas da Comissão Global de Políticas sobre Drogas e diretora-executiva do Instituto Igarapé, organização sem fins lucrativos com sede no Rio e dedicada a estudos e propostas de soluções para temas como cidades seguras, políticas sobre drogas e segurança cibernética. A seguir, trechos da entrevista.

Valor: De que forma a senhora caracteriza a fragilidade urbana das cidades latinoamericanas?

Ilona Szabó de Carvalho: A América Latina passou por um rápido processo de urbanização. Na década de 50, menos de 40% dos latinoamericanos viviam em cidades. Hoje, essa média é superior a 85%. Chamamos essa urbanização, veloz e desregulada, de “turbourbanização”. Ela criou um alto nível de desorganização social e uma grande expansão da cidade, com o aparecimento de periferias e favelas. Em algumas áreas, isso resultou em um quadro crônico de violência.

Valor: Essa fragilidade atinge também as cidades menores?

Ilona: As cidades latinoamericanas são particularmente violentas: 47 das 50 cidades com maior número de homicídios estão na região. Mais de 175 cidades com população superior a 250 mil habitantes possuem taxa de homicídio igual ou superior a 25 por 100 mil habitantes. Isso é quase cinco vezes mais que a média global. As mais frágeis não são as megacidades, mas as pequenas e médias, que apresentam crescimento acelerado.

Valor: Isso explica o fato de a violência muitas vezes aumentar mais nos municípios menores do que nas capitais?

Ilona: É nas cidades de crescimento rápido e desordenado que estão os maiores níveis de fragilidade. Em cidades grandes e já estabelecidas, novas populações encontram formas de se integrar à economia formal ou informal, porque há maior capacidade de absorção. Já em cidades pequenas e médias de crescimento acelerado, a menor quantidade de serviços, o menor grau de cumprimento da lei e o volume de população temporária debilitam a eficácia social e criam novas formas de insegurança.

Valor: A criminalidade, principalmente homicídios, tende a crescer nas cidades latinoamericanas. Por quê?

Ilona: A América Latina e o Caribe são as únicas regiões onde as taxas de homicídio estão em ascensão. Com exceção de partes da África e do Oriente Médio, as taxas de homicídio estão caindo. Dez dos 15 países mais desiguais estão na América Latina. Outro fator é que a região possui dezenas de milhões de jovens desempregados ou sem oportunidades. Um terceiro fator é a impunidade e a debilidade de se fazer cumprir as leis. Menos de 20% dos homicídios são solucionados. Outro fator é a guerra às drogas, que privilegia penalização em lugar de prevenção. Podemos citar ainda a disponibilidade e falta de regulação de armas ilícitas: mais de 75% dos homicídios da região são praticados com armas de fogo.

Valor: Por outro lado, muitos governos latinoamericanos estão adotando políticas que podem reverter esse cenário
pessimista. O que eles estão fazendo?

Ilona: Cidades como Bogotá e Medelín, na Colômbia, e Cidade Juarez, no México, conseguiram reduzir a violência
significativamente em um curto período. Quito, Santiago do Chile, Managua e San José, conseguiram manter taxas
baixas. Demonstraram uma resiliência incrível. Não há fórmula: o segredo é que as ações são orientadas por dados e
voltadas para a resolução do problema. A grande sacada é a combinação de policiamento inteligente com prevenção
estratégica.

Valor: Poderia citar exemplos? 

Ilona: Essas cidades têm uma liderança municipal forte. Os prefeitos estabelecem metas para a redução da violência e se mantêm focados. Em segundo lugar, elas recorrem a dados para delinear ações para a prevenção da criminalidade é um passo decisivo para estabelecer prioridades e monitorar os resultados. Essas cidades também recorrem a estratégias como policiamento de acordo com manchas criminais, programas para juventude vulnerável e projetos de reurbanização para aumentar a coesão social. Essas estratégias priorizam espaços mais problemáticos, populações vulneráveis e comportamentos de alto risco.

Valor: As queixas contra a violência e abuso da autoridade policial têm crescido no Brasil. Porém, uma parte da
sociedade cobra maior rigor da polícia para combater a criminalidade. Como o governo e a sociedade devem lidar com essa questão?

Ilona: A prevenção inteligente é mais eficaz do que a repressão generalizada. A sociedade precisa se informar melhor sobre o que melhora a segurança pública e cobrar das lideranças a formulação de políticas públicas baseadas em evidências e a transparência com os dados e resultados das intervenções.

Valor: A senhora defende uma política criteriosa de descriminalização e regulação das drogas para combater a
violência urbana. Como isso pode ser feito? 

Ilona: O consumo de drogas é questão de saúde pública e precisamos atualizar nossa política, tirando o consumo de drogas da esfera da justiça criminal. Essa questão já está em discussão no Supremo Tribunal Federal. O Brasil está muito atrasado nesse passo. A regulação das drogas vai além da descriminalização, e precisamos debater as experiências internacionais e os melhores caminhos para o Brasil. Essa discussão é fundamental para reduzir o poder e o lucro do crime organizado e diminuir a violência na nossa região.

Valor: Qual o papel dos prefeitos e vereadores para reverter a fragilidade das cidades brasileiras? 

Ilona: A batalha contra a violência será ganha nas cidades. A liderança do prefeito na agenda de prevenção inteligente é fundamental e sua atuação vai muito além da modernização da Guarda Municipal. Os três níveis de poder e a sociedade precisam unir forças e cada um fazer a sua parte de forma coordenada.

Valor Econômico

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