Quebrando o Gelo em Guiné Bissau: O papel das mulheres na Prevenção de Conflitos
O papel das mulheres na Prevenção de Conflitos
Setembro, 2017
Desde que alcançou a independência de Portugal, em 1973, a Guiné-Bissau já teve quase uma dúzia de presidentes, nenhum dos quais logrou terminar seu mandato. Golpes de Estado, assassinatos e turbulências políticas recorrentes entre elites contribuíram para um cenário de instabilidade, subdesenvolvimento e vulnerabilidade ao crime organizado, especialmente o tráfico de drogas ilegais. Todavia, ao contrário de alguns de seus países vizinhos, Guiné-Bissau não tem recaído em um cenário de guerra civil por quase vinte anos.
Nesse sentido, a superação do atual impasse político é necessária para prevenir a ocorrência de um conflito armado, bem como a fim de estabelecer a base para uma paz mais sustentável e inclusiva. Destaca-se, nesse contexto, o papel das mulheres de Guiné-Bissau, que tem feito esforços na prevenção de conflitos, ajudando a mitigar as tensões em torno do impasse que alguns líderes chamaram de “explosivo”. Para tanto, criaram novas formas de influenciar os processos políticos no país, com base em forças-tarefa e construção de redes.
Depois do último golpe de Estado, em 12 de abril de 2012, a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) liderou esforços a fim de gerar um “roteiro” para a paz, estruturado a partir de seis pontos que visam o estabelecimento de um processo de diálogo inclusivo e a formação de um governo baseado no consenso para servir e implementar reformas até as eleições de 2018. A CEDEAO manteve conversas em Conakry, na Guiné, entre líderes políticos do país, juntamente com a sociedade civil e os líderes religiosos, levando à assinatura do Acordo de Conakry, em 14 de outubro de 2016. O acordo delineou mais detalhadamente os planos de implementação do roteiro. Entretanto, as partes interpretaram de modo diferente os principais pontos do Acordo, criando desafios para sua implementação. Assinala-se como fator do impasse o fato que o presidente José Mário Vaz e o político Domingos Simões Pereira – que foi Primeiro Ministro de 2014 a 2015, quando foi demitido pelo primeiro – não se falavam havia quase dois anos.
“Quebrar o gelo” entre eles tornou-se um dos objetivos declarados do Grupo de Mulheres Facilitadoras da Guiné-Bissau, criado em maio de 2017. O Grupo – composto por 10 mulheres de organizações da sociedade civil no país – começou a trabalhar para promover o diálogo entre as principais partes das negociações. Entre outras iniciativas, o grupo facilitou reuniões no final de junho de 2017 e durante julho do mesmo ano entre vários líderes. Uma dessas reuniões marcou a primeira vez que Vaz e Simões Pereira se falaram em quase dois anos. Além disso, após meses de trabalho intenso, o Grupo preparou relatórios e considerou ter atingido 90% de seu trabalho, de acordo com Francisca Vaz, membro do Grupo, que enfatizou em uma entrevista que seu objetivo geral era “evitar a violência” e permitir que as pessoas ” tirassem as suas mágoas, dialogassem para pôr em prática” o bem-estar da população.
A iniciativa do grupo foi elogiada em Nova York pelo atual presidente da Comissão de Consolidação da Paz para Guiné-Bissau, o embaixador brasileiro Mauro Vieira. Vieira ressaltou a importância do grupo na construção da confiança, aliviando as tensões e abrindo os canais de comunicação entre os principais atores.
Embora o diálogo completo ainda não tenha sido retomado, o papel do Grupo de Mulheres Facilitadoras da Guiné-Bissau ainda pode contribuir para um objetivo mais amplo, que também é crucial para a prevenção de conflitos: maior igualdade de gênero no país. Conforme Suzi Barbosa – líder da Rede de Mulheres Parlamentares de Guiné-Bissau – enfatizou recentemente, a crise não seria tão grave se houvesse mais mulheres no Legislativo e no Executivo. A despeito de as mulheres constituírem a maioria da população (estimativa de 52%), elas não têm representação política adequada. Isso é particularmente problemático visto que, quando a Guiné-Bissau passou pelo processo de democratização, há mais de duas décadas, o número de mulheres no Legislativo e Executivo era muito maior. Por exemplo, havia 30 deputadas, enquanto atualmente as mulheres são apenas 14 de um total de 102 deputados. Dessa forma, hoje as mulheres ocupam apenas 10% dos assentos no parlamento e um quarto de todos os empregos na administração pública. No Executivo, não há ministras mulheres, o que leva a uma falta de políticas sensíveis a gênero – uma lacuna que pode contribuir, dentre outros problemas, para a recorrência da violência, já que as mulheres são excluídas do processo político.
A Rede de Mulheres Parlamentares tem trabalhado com o escritório da UNIOGBIS em Bafatá para incentivar mais mulheres a se candidatarem a cargos públicos e a participarem da política. A Rede trabalha também na implementação de cotas de gênero, além de promover a inclusão da igualdade de gênero nos currículos escolares.
Os esforços liderados por grupos de mulheres em Guiné-Bissau, tais como o trabalho do Grupo de Mulheres Facilitadores para a implementação do Acordo de Conakry e a defesa da Rede de Mulheres Parlamentares por políticas sensíveis a gênero, podem se intensificar nos próximos meses. O Representante Especial do Secretário Geral das Nações Unidas e o chefe do Escritório Integrado de Paz da ONU na Guiné-Bissau (UNIOGBIS), Modibo Touré, declarou que o Conselho de Segurança da ONU, juntamente com representantes da CEDEAO e da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), devem exigir que o presidente Vaz implemente o calendário previsto no Acordo de Conakry até setembro de 2017. Ademais, ele sublinhou, entre os avanços recentes, os esforços para combater o tráfico ilegal de drogas e o progresso nos direitos das mulheres. A superação completa do impasse político e a implementação do Acordo de Conakry, no entanto, seriam apenas um passo para resolver as diferenças que levaram a uma instabilidade política recorrente e que excluíram amplamente as mulheres da Guiné-Bissau do processo político do país. Garantir a participação das mesmas na implementação do Acordo e no processo político mais amplo significativa um passo essencial para a prevenção mais efetiva de conflitos no país.
Adriana Erthal Abdenur é research fellow no Instituto Igarapé.
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