10 anos da lei de drogas: quantos são os presos por tráfico no Brasil?

Nossa lei de drogas, que, por hábito, muitos ainda chamam de nova, completou essa semana 10 anos de existência. Fruto de um novo olhar sobre a questão, ela institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e foi recebida como um avanço com relação a legislações anteriores. Mas, na prática, quais foram os avanços e retrocessos desta década?

Além de criar esse sistema de prevenção e de tratamento, a lei também elenca os crimes relacionados a drogas – a posse para consumo pessoal e tráfico – e as penas previstas para cada tipo de crime. Um dos aspectos celebrados entre setores mais progressistas foi, inclusive, o fim da pena de prisão para usuário de drogas. A nova lógica entendia que o usuário precisava sobretudo de cuidados de saúde no lugar da privação de liberdade.

No entanto, a estrategia adotada com a intenção de garantir o acesso à saúde não funcionou. Não só a insistência na criminalização da posse para consumo se mostrou um impeditivo ao investimento em prevenção, redução de danos e tratamentos eficazes e à busca por esses serviços por parte de usuários, como também a falta de critérios objetivos de distinção entre uso e tráfico de drogas gerou uma grande insegurança na hora da incriminação. Tal insegurança afeta diretamente a decisão sobre o destino daquela pessoa, se ela voltará para sua casa ou será mandada para a cadeia.

Um indicativo de que não estamos tomando boas decisões é a explosão da população carcerária, concomitante à década de vigência da lei. Os últimos números publicados, de dezembro de 2014, falam em 622 mil presos no país – significativamente maior do que os 384 mil reportados em dezembro de 2006. A lei de drogas é apontada como o principal motor desse crescimento. Estudos sobre o perfil das pessoas presas por tráfico no Brasil mostram que elas em sua maioria foram detidas em flagrante, estavam desarmadas, sozinhas e carregavam consigo pequenas quantidades de drogas. Poderiam, talvez, se tratar de usuários. Mas exatamente quantas pessoas estão presas por crimes relacionados a drogas no país?

Nós mesmas afirmamos em outros textos que 28% das pessoas hoje presas no Brasil estão lá por crimes de tráfico, percentual que se aproxima dos 70% da população carcerária feminina. Fazendo os cálculos, seriam em torno de 171 mil pessoas. Em 2006, essa porcentagem era de 15%. Em números totais, passamos de 47 mil registros para 147 mil nesse mesmo período de tempo, uma média de crescimento de 18,1% ao ano, enquanto a taxa média de crescimento do total de registros foi de 9,1% ao ano, a metade.

Mas, na verdade, essa percentagem não se refere a número de pessoas. Uma análise mais detida dos relatórios do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias mostra se tratar do número de crimes reportados pelos quais pessoas estão presas – e apenas quando são declarados. Penitenciárias em mais de 20 estados brasileiros não registram esse número, uma quantidade maior o faz apenas parcialmente – incluindo a União, responsável pelas unidades federais.

À primeira vista, podemos achar que não há grande problema em comparar a percentagem de crimes à quantidade de pessoas, mas, uma vez que os números são de naturezas diferentes, estamos cometendo o velho erro de comparar laranjas e maçãs. Sequer sabemos a quantas pessoas essa quantidade de crimes se refere, número não publicado pelo Ministério da Justiça. A população prisional total não deve servir como norte: é possível que a soma de crimes registrados fosse maior do que o de total de prisões, já que cada pessoa pode ser suspeita ou ter sido condenada por mais de um crime.

Fato é que, tanto pela sub-notificação quanto pela aplicação equivocada de uma percentagem de crimes em dados sobre pessoas, não sabemos quantos são os presos por drogas no país. Sabemos apenas que são muitos – estimados pela porcentagem que compara laranjas e maçãs – e que seu número cresce exponencialmente desde a promulgação da nova lei de drogas.

Completos os primeiros 10 anos de sua vigência, é hora de revisar os impactos dessa lei, o que deu certo e o que deu errado, para então buscarmos melhor qualificar nossas políticas públicas. Algumas reformas prioritárias sobre as quais diversos grupos já se debruçam incluem deixarmos de classificar a posse de drogas para consumo pessoal como crime e a adoção de critérios que orientem a distinção entre quais condutas estão relacionadas ao uso e quais estão relacionadas ao tráfico de substâncias ilícitas. Precisamos adicionar a essa lista a melhora na coleta de informação, não só sobre os encarcerados por crimes relacionados a drogas. O último levantamento nacional sobre consumo de substâncias ilícitas na população brasileira, por exemplo, foi feito em 2005. Precisamos de dados mais atualizados.

A base de todo o esforço em direção a políticas públicas cada vez mais eficientes e humanas está na informação. Com os números que temos atualmente em mãos, é possível traçar apenas um panorama, por si só bastante negativo, sobre onde acabaremos se continuarmos a seguir nossas atuais políticas na área de drogas. Mas precisamos de um mapa mais completo e uma bússola mais afinada, para corrigir os rumos de nosso sistema de políticas públicas sobre drogas dos próximos 10 anos. Para tanto, a produção de informação confiável e de qualidade deve ser prioridade agora e sempre.

Por Ilona Szabó de Carvalho, Ana Paula Pellegrino e Beatriz Alquéres
Artigo de opinião publicado em 24 de agosto de 2016
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