Pode anotar: 2015 vai ser um ano chave para a política de drogas

Foto: Leonardo Lina

Foto: Leonardo Lina

Ilona Szabó e Ana Paula Pellegrino

O velho adágio de que o ano só começa depois do carnaval não valeu para a pauta da política de drogas. Janeiro ainda nem terminou e o assunto já deu o que falar. Só nesses primeiros 20 e poucos dias do ano, declarações, decisões, posicionamentos, mortes e execuções ocuparam as primeiras páginas de jornais impressos e chamadas de links compartilhados pelas redes sociais, todas de alguma maneira relacionadas à temática da política de drogas.

Diante desse agitado início de ano, a previsão não poderia ser outra :2015 é um ano chave para a política de drogas no Brasil – e no mundo. Temos que ficar de olho em alguns pontos estratégicos nos próximos meses.

Além de Marcos Archer, caso que ganhou renovada projeção nacional após seu fuzilamento no dia 17, o governo da Indonésia planeja ainda para fevereiro a execução de outro brasileiro, Rodrigo Muxfeldt Gularte, também condenado por tráfico de drogas. A Presidente Dilma, após ter seu pedido de clemência negado pelo mandatário indonésio, declarou-se indignada e consternada. Resta saber o que mais fará para tentar salvar aquele que pode vir a ser o segundo brasileiro executado por pena de morte em país estrangeiro. Esperamos que ela transforme sua indignação em vontade de transformar a política de drogas internacional, para que ninguém mais seja executado por crimes relacionados a drogas – prática que não contribui para a diminuição do tráfico nem do consumo de drogas. Apesar disso, a pena de morte para crimes de tráfico de drogas continua sendo adotada em 33 países.

Nacionalmente, a pauta da maconha medicinal deve continuar a dar o que falar, especialmente em Brasília. Após intensa campanha em 2014, com direito a lançamento de documentário e reuniões com Anvisa e Ministério da Saúde, finalmente reclassificaram o canabidiol (CBD), que passou a ser entendido pela Agência como uma substância de uso controlado. Ainda no ano passado, o Conselho Federal de Medicina também já tinha emitido regulamentação sobre a prescrição médica da substância. Ela por enquanto pode ser receitada e importada somente para casos de menores de 18 anos com epilepsia refratária. Mas a discussão não deve parar por aí – 2015 promete ser o ano em que o THC, outra substância presente na maconha e com propriedades medicinais comprovadas, será o centro das atenções.

A verdade é que ainda temos muito espaço para avançar na regulação do uso medicinal da maconha. Essa discussão deve ser pautada antes por evidências médico-científicas – que não param de ser publicadas – do que por gargalos políticos que até o momento travaram o debate. Diante da inércia que caracterizou 2014, quando diversas reuniões que poderiam ter adiantado essas resoluções foram desmarcadas, o Ministério Público do Distrito Federal moveu, em dezembro do ano passado, uma ação civil pública contra o Ministério da Saúde e da Anvisa sobre o tema, chamando atenção para negligência do Executivo na matéria. Os promotores pediram que fossem realizadas audiências públicas durante o processo, que com certeza serão espaços importantes de articulação dos argumentos pela regulação da maconha medicinal para além do CBD.

Além disso, deve ocorrer ainda no primeiro semestre desse ano, o lançamento do quarto relatório da Comissão Global sobre Política de Drogas, em português. O relatório, com recomendações políticas progressistas – os membros defendem ser necessário regular todas as drogas, acabando com a proibição – deve trazer ainda mais atenção para a discussão sobre política de drogas no Brasil. Secretariado da Comissão, o Instituto Igarapé também lançará um documento inédito, que levanta experiências inovadoras na área de política de drogas que estão sendo implementadas pelo Brasil. De São Paulo a Recife, diversos programas de áreas da saúde, pesquisa e articulação política mostram que a mudança já está acontecendo, mesmo dentro do atual arcabouço proibicionista.

A Plataforma Brasileira de Política de Drogas – organização da sociedade civil que congrega mais de 26 entidades ligadas ao tema – também deve ser lançada nesses primeiros meses do ano. O momento, de articulação de um verdadeiro movimento nacional pela regulação das drogas, é propício: assim que voltarem do recesso, volta a tramitar pelo Congresso Nacional projetos de lei sobre o tema. O PLC 37/2013 deve reacender a discussão sobre a estipulação de quantidade máxima permitida para posse de drogas – acima da qual o portador seria considerado traficante, não usuário. O projeto de lei 7270/2014 é mais ousado, pedindo a regulação da maconha e anistia para aqueles que foram presos tráfico de Cannabis. Já no STF, ainda estão discutindo a constitucionalidade da criminalização do porte de drogas no Brasil. Esperava-se uma decisão já favorável à descriminalização em 2014, mas ela ficou para este ano. Não podemos perder de vista o judiciário como espaço importante para avançar a reforma da política de drogas no país.

Impossível não dar a essas projeções o tom otimista de quem está a algum tempo acompanhando o tema. Vimos, em menos de três anos, a discussão sobre política de drogas passar de tabu a debate acirrado em mesas de jantar em todo o Brasil. Brasileiros do Oiapoque ao Chuí foram levados a refletir sobre o tema. Claro, o cenário não é de todo favorável e há aqueles que levantam bandeira contra a regulação responsável como uma alternativa à guerra às drogas. Mas já desfizemos muitos dos mitos antes propagados como verdades. Se depender da Rede Pense Livre, muitos outros ainda hão de cair para que o debate continue a avançar!

Brasil Post

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