Desastres, violência e obras deixarão ao menos 1,6 milhão de deslocados no Brasil até 2016

RIO, PORTO ALEGRE e BRASÍLIA — Imagine o tamanho da comoção nacional se todos os habitantes de Florianópolis, Cuiabá e Aracaju fossem obrigados a abandonar suas casas. Ou se cada um dos moradores de Porto Alegre tivesse que deixar sua residência para sempre. O Brasil já enfrenta um drama social desse porte. Silenciosamente.

Um estudo do Instituto Igarapé, que analisa segurança pública e desenvolvimento social no Brasil, estima que o país terá ao menos 1,6 milhão de pessoas deslocadas entre 2009 e 2016. São cidadãos forçados a deixar suas casas por causa de obras de infraestrutura, desastres naturais e pelo avanço da violência, nessa ordem, diz o canadense Robert Muggah, diretor de pesquisas da entidade. Os números impressionam, mas não podem ser confrontados com estatísticas oficiais. Os ministérios da Integração Nacional e das Cidades reconhecem que não há no país um cadastro de famílias deslocadas.

Especialista em segurança e desenvolvimento, Muggah levou esse drama social às páginas do “Journal of Refugee Studies”, publicação sobre o estudo de refugiados da Universidade de Oxford. Na pesquisa “O deslocado invisível”, aponta não só o tamanho do problema, mas as causas e a dificuldade das autoridades brasileiras de lidar com o tema.

— O Brasil vive um paradoxo — diz Muggah, em seu escritório no Rio. — Tem uma grande preocupação com os refugiados que recebe (hoje abriga 7.948), mas uma enorme negligência em relação a seus próprios deslocados. O Brasil não tem uma legislação sobre o tema. Não elaborou sequer uma definição sobre o que é ser um deslocado aqui.

Para realizar seu estudo, Muggah adotou o conceito internacional. Computou as pessoas que foram forçadas a deixar suas residências sem chances de voltar a viver nelas. Estão incluídos no grupo pessoas reacomodadas por indenização ou que recebem aluguel social.

— Em linhas gerais, falamos dos que foram expulsos, dos que não tiveram outra opção.

O estudo de Muggah indica que a principal causa de deslocamento no Brasil são as obras de infraestrutura. Ele lembra que a relatora independente das Nações Unidas sobre Direito à Moradia Adequada, a urbanista brasileira Raquel Rolnik, criticou o país na preparação para a Copa do Mundo. A estimativa na época era que o evento deslocaria 170 mil pessoas. A construção de usinas hidrelétricas é outro fator de remoção. Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), só a Usina de Belo Monte, iniciada no Pará em 2011, deslocou 40 mil pessoas.

Dados do Internal Displacement Monitoring Centre (IDCM), ONG que monitora o fenômeno no mundo, situam o Brasil em 15º lugar no ranking de países com mais pessoas deslocadas por catástrofes naturais. Entre 2008 e 2012, a média foi de 280 mil pessoas por ano. Entraram nessa lista os deslocados pelas chuvas na Região Serrana do Rio em 2011.

— O grupo afetado por desastres naturais tende a aumentar. O planeta fica mais quente, e o nível das águas sobe. Em Nova York, já discutem o que fazer com esses futuros deslocados. Aqui, não — alerta Muggah.

Há ainda as pessoas expulsas de casa pela violência. Não há dados concretos em relação a isso no Brasil, mas o diretor do Igarapé diz que, nos países que acompanham de perto o fenômeno, como a Colômbia, a curva de homicídios acompanha a de deslocados:

— Estão no Brasil 13 das 50 cidades mais perigosas do mundo, levando-se em conta a taxa de homicídios — diz o canadense, citando outras pesquisas do Igarapé. — Há uma relação muito íntima entre violência letal e deslocamentos. Pense: o que acontece num bairro com assassinatos em série?

MINISTÉRIO DEFENDE LEI SOBRE O TEMA

Segundo o Ministério da Integração Nacional, a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil não tem números de deslocamentos internos “por se tratar de uma consequência indireta dos desastres naturais”. O Ministério das Cidades diz que, em 2013, editou uma portaria que fixa procedimentos a serem adotados em deslocamentos provocados pela execução de programas sob sua gestão, entre eles o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mas a pasta frisa, em nota, que considera “de fundamental importância a edição de legislação nacional que trate essa questão específica (deslocamento interno) de maneira uniforme”.

O BNDES, que financiou 14 hidrelétricas nos últimos cinco anos, informou que seus desembolsos estão condicionados à apresentação de licenças ambientais, com planos de reassentamento para famílias deslocadas. O Banco Mundial diz que tem uma política de salvaguarda sobre reassentamento involuntário que inclui na avaliação o acompanhamento do reassentamento e monitoramento dos projetos que financia.

O Globo

 

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