Para diminuir a violência, é preciso vê-la inteira
A morte da jovem Nathalia na semana passada comoveu a população de Goiânia e voltou a mobilizar a opinião pública em torno do tema violência. Autoridades do Estado não demoraram em anunciar medidas de enfrentamento e propostas para a segurança. Acertada ou não, a reação responde à sensação de insegurança provocada pelo crime de grande repercussão. Mas o combate à violência precisa se basear em políticas de longo prazo e em dados confiáveis.
Diante do clima geral de pesar, é difícil falar em estatísticas, mas o fato é que elas revelam uma verdade pouco visível no noticiário. As mortes violentas não são episódicas: todos os dias dezenas de jovens, na maioria negros e pobres, morrem no país. Somos o país com o maior número de assassinatos do planeta – quase 60 mil por ano.
Apenas em Goiás, quase 3 mil pessoas morreram de forma violenta em 2013. No Estado do Rio, foram 5 mil homicídios no ano passado. A taxa por 100 mil habitantes, no entanto, é maior em Goiás que no Rio: 45,23 contra 29,91, números de 2013, os mais recentes disponíveis para a comparação (no Rio, houve uma queda para 25,4 em 2015).
O que mostram os números? Apesar da taxa elevada, é preciso analisar ainda outros fatores, como a progressão ao longo dos anos e a distribuição geográfica. O mais interessante é que os Estados apresentam tendências opostas: enquanto a curva do Rio é descendente, tendo diminuído sua taxa em menos da metade da que apresentava em 2002, Goiás vive situação inversa, tendo aumentado a taxa em cerca de 25 pontos em 11 anos, com uma aparente queda nos anos seguintes. A maioria dos homicídios de Goiás se concentra na capital, que registrou taxa de assassinatos de 38,23 por 100 mil habitantes; a taxa carioca é de 18,6, a menor desde 1991.
Que lições Goiás e Goiânia podem aproveitar da experiência do Rio de Janeiro? A Secretaria de Segurança Pública do Rio implantou o Sistema Integrado de Metas e Acompanhamento de Resultados (SIM), que colaborou para fortalecer ações de prevenção, o controle qualificado da criminalidade e maior integração entre as polícias. O aperfeiçoamento do programa de pacificação na cidade também contribuiu para o êxito das políticas de segurança.
Mas a agenda de segurança não pode se limitar ao governo estadual. O governo federal precisa se envolver e repactuar com os entes federados o papel de cada um, aumentando a possibilidade de replicações de boas práticas. Os municípios também precisam ter um papel ativo na prevenção, fomentando uma agenda de segurança cidadã em colaboração com a sociedade concentrada nos principais grupos de risco e pontos de maior concentração de criminalidade. Com um mapeamento, é possível antecipar e evitar a ocorrência de crimes.
Quebrar o ciclo de violência envolve ainda muitos outros fatores estruturais. Uma mudança na política de drogas, por exemplo, pode frear o extermínio da nossa juventude, que constitui a maior parte das vítimas de uma guerra às drogas há muito perdida. Além disso, é fundamental empreender uma regulação responsável de armas de fogo: mais de 70% dos homicídios no Brasil são cometidos com armas. Um terceiro foco de ação deve ser, finalmente, o fomento de políticas sociais inclusivas. Em Goiânia, o coeficiente de Gini, que mede o nível de desigualdade social, é de 0,65, um patamar considerado bastante elevado.
Em geral a soma de fatores como – elevada taxa de homicídio, desemprego, grande desigualdade de renda e rápido crescimento populacional – é a fórmula perfeita para fragilizar uma cidade. Com Goiânia não foi diferente.
Mas é possível reverter essa tendência. O primeiro passo para isso, é que voltemos a nos indignar com cada morte violenta independentemente da cor, gênero ou classe da vítima. Precisamos de um novo pacto pela vida que envolva toda a nossa sociedade e nos permita reconstruir uma visão de uma nação segura e inclusiva para todos os brasileiros.
By Ilona Szabó
Opinion editorial published in 1 March 2016
O Popular