Por que os Governos de todo o mundo estão dando uma guinada na guerra contra as drogas?
As peças de dominó continuam a cair. A Irlanda é o último país a iniciar o processo de descriminalização de pequenas quantidades de drogas como heroína, cocaína e cannabis para uso pessoal. O país se junta a pelo menos 25 outros em todo o mundo que decidiram eliminar os usuários –mas não as drogas– do sistema de justiça criminal.
Outros países vão ainda mais longe. Canadá, República Checa, Portugal, Nova Zelândia, Uruguai e Estados Unidos estão entre os países que desafiam o status quo. Ao invés de proibir todas as drogas, o que o direito internacional atualmente propõe, esses países estão explorando novas abordagens para regulá-las. Se mais Estados forem nessa direção, todo o regime de controle de drogas corre o risco de entrar em colapso.
A mudança de perspectiva é motivada por uma sensação de que as abordagens atuais estão falhando e que seus efeitos colaterais são catastróficos. No centro do regime de controle de drogas estão as convenções de 1961, 1971 e 1988, que penalizam as drogas de forma seletiva. Essas leis são supervisionadas pela Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, a Comissão das Nações Unidas sobre Drogas Narcóticas e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.
O fato é que apesar de décadas perseguindo um mundo livre de drogas, estas são cada vez mais acessíveis e mais consumidas do que nunca. As penas severas para produtores, distribuidores e usuários não alteraram a oferta ou a demanda em meio século. Na verdade, a proibição parece multiplicar por dez o preço das drogas pesadas como a cocaína.
A guerra de meio século contra as drogas se tornou uma guerra contra as pessoas. Contribui para o aumento da criminalidade violenta em qualquer lugar onde as drogas são produzidas, vendidas e consumidas. Centenas de milhares de pessoas morrem a cada ano em nome da proibição, muitas delas no Afeganistão, Brasil, Colômbia e México. A criminalização também resultou em prisões cheias de pequenas traficantes e usuários de drogas, instituições judiciais relacionadas com a aplicação da lei corroídas e corrompidas, bem como a expansão do poder e dos lucros dos cartéis e quadrilhas de todo o mundo.
A mais poderosa forma de reverter os efeitos catastróficos das caprichosas políticas antinarcóticos é regularizar as drogas. Isso era considerado uma heresia, mas as atitudes estão mudando. Existe uma crescente aceitação de que a regulamentação pode colocar os Governos no controle.
Seja você usuário de drogas ou não, as pessoas razoáveis preferem ter um órgão público regulador que supervisione essas substâncias –que são prejudiciais em diferentes graus, dependendo do produto– ao invés de um sombrio grupo do crime organizado que não presta contas. Em alguns aspectos, as drogas atualmente já estão regulamentadas, mas pelos cartéis da Colômbia até o México.
Regulamentação não é o mesmo que legalização. Todos os esforços de regulação devem se concentrar na prevenção do uso e em evitar o abuso. A primeira mensagem para as pessoas que contemplam o uso é “não consumir drogas”. Mas, em vez de recorrer a táticas de intimidação, pais, professores, assistentes sociais e médicos devem oferecer uma explicação honesta sobre o que elas são e como causam danos.
No entanto, mesmo essas mensagens simples se complicam pelo medo generalizado à ilegalidade que acompanha as drogas. Ainda assim, se uma criança tem a intenção de consumi-las, a maioria dos tutores preferirá um sistema regulado que monitore a qualidade do que é oferecido, trate os viciados com compaixão e gerencie o acesso por meio da educação e de advertências sensatas.
A regulação é significativamente preferível à abordagem atual. Quando os aspirantes a produtores, distribuidores e usuários são criminalizados, a indústria da droga passa à clandestinidade. Produtores e distribuidores tornam-se participantes ativos na economia criminosa. Os acordos são cumpridos com níveis de violência brutais, dada a ausência de qualquer acesso aos tribunais. Os usuários reais e potenciais dispõem de informação deficiente, temem por suas vidas e não procuram tratamento e cuidados. Na medida que existem esforços para regular o álcool, o tabaco, os produtos farmacêuticos e outros produtos perigosos, muitos de seus efeitos nocivos podem ser detidos com controles de gestão pública.
O que implica a regulação? Países, Estados e cidades estão experimentando com uma descriminalização de fato, em abordagens baseadas na prescrição, uma estrita regulação do mercado, uma regulamentação imprecisa, e inclusive em promoção comercial, como acontece em alguns Estados dos EUA.
Existem várias formas práticas para colocar as drogas à disposição de uma forma controlada, incluindo prescrição médica, vendas em farmácias e estabelecimentos autorizados e até mesmo fornecedores sem licença. No Uruguai, um dos países mais seguros da América Latina, o consumo de drogas nunca foi criminalizado e aprodução e venda de cannabis começaram a ser reguladas em 2013. O sistema oferece múltiplas possibilidades –os usuários podem cultivar até seis plantas, podem entrar em clubes ou comprar cannabis nas farmácias (a partir do fim deste ano). Por mais de meia década, o marco jurídico da Espanha permitiu o uso e a venda de cannabis em clubes privados.
Assim como sociedades diferentes adotam abordagens diferentes para o controle de substâncias perigosas, também deveriam explorar a regulação, de modo que estejam alinhadas com suas necessidades e capacidades, bem como com as evidências científicas.
Da mesma forma que a proibição não é recomendável, um comércio livre para todos deve ser evitado. Qualquer disposição regulamentar deve ser tomada com prudência e com cuidadosa atenção aos potenciais danos, ao que funciona e ao que não funciona. O problema é que no atual regime de controle de drogas internacional, os Governos estão limitados até mesmo para realizar essas tentativas.
By Robert Muggah and Ilona Szabó
Opinion editorial published in 18 May 2016
El País