Criminalizar adolescentes não reduz o crime

Não há evidências de que a redução impactará a criminalidade ou a impunidade. Ao contrário, é provável que incentive adultos a recrutar jovens ainda mais novos, deslocando o problema novamente. Para mudar o rumo desse debate, cabe então desmitificar alguns pontos

por Robbert Muggah

Brasileiros endureceram: 87% são a favor da redução da maioridade penal para 16 anos, dado citado exaustivamente pelos deputados que aprovaram em primeiro turno proposta de emenda constitucional sobre o tema. Tal endurecimento resulta, em parte, do grande alarde feito em torno de crimes violentos cometidos por adolescentes.

Sob a liderança de Eduardo Cunha, atual presidente da Câmara, políticos linha dura e da chamada Bancada BBB – Boi, Bala e Bíblias – acordaram uma nova redação da PEC, focada em crimes violentos, supostamente mais branda que a rejeitada menos de 24 horas antes. Ela também difere da proposta de 1993, que reduziria a maioridade para todos os crimes.

Enquanto isso, a presidente Dilma, seu gabinete e ativistas são absolutamente contrários à medida, não apenas por uma questão de direitos, mas pelas “consequências desastrosas” de colocar adolescentes atrás das grades. Têm razão: aprovada a PEC, o já superlotado sistema prisional brasileiro será ainda mais pressionado. O país tem a quarta maior população carcerária do mundo, superada apenas por Estados Unidos, China e Rússia, que cresceu 33% desde 2008 – à despeito da baixa taxa de elucidação de crimes, menos de 10% para homicídios.

Embora esta já seja uma grande vitória para conservadores, a luta está longe de terminar. O texto ainda será votado em segundo turno na Câmara e, se aprovado, irá para o Senado, onde uma frente progressista já se declarou contra a redução. Há ainda tempo e espaço de manobra para virar o jogo.

Não há evidências de que a redução impactará a criminalidade ou a impunidade. Ao contrário, é provável que incentive adultos a recrutar jovens ainda mais novos, deslocando o problema novamente. Para mudar o rumo desse debate, cabe então desmitificar alguns pontos:

 

Mito 1. A redução da maioridade penal vai reduzir a violência no Brasil

Menos de 1% de todos os crimes e 0,5% dos homicídios no Brasil são cometidos por adolescentes. Quem mais comete assassinatos no Brasil são adultos.

 

Mito 2. A redução da idade penal funcionou em outros países

Evidências mostram que reduzir idade penal não reduz a violência – pelo contrário, coloca adolescentes em risco e resulta em maiores taxas de reincidência. De fato, lugares onde aprovou-se a redução – incluindo nos Estados Unidos – estão agora lutando para reverter isso.

 

Mito 3. A redução da idade penal é coerente com as normas e leis internacionais

ONU, OEA e outros consideram a redução uma violação dos direitos de crianças e adolescentes, indo de encontro às tendências globais para a justiça juvenil.

 

Mito 4. Investir em formas alternativas de reabilitação é mais caro do que prender

Cada detento no sistema federal custa anualmente aos contribuintes cerca de R$ 40 mil. Cada estudante do ensino médio custa apenas RS$ 2.300 ao ano.

 

Mito 5. Não punimos adolescentes no Brasil

Adolescentes já são punidos através do Estatuto da Criança e do Adolescente a partir dos 12 anos, em sistema sócio-educativo apropriado que prevê até três anos de internação. Investimentos na expansão e melhoria do que já existe podem fazer a diferença.

 

Le Monde Brasil

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