Controle de armas com responsabilidade
Robert Muggah, Ivan Marques e Rubem Cesar Fernandes
No país em que mais de 56 mil cidadãos são assassinados por ano, a análise do projeto de lei nº 3.722/2012 por uma comissão especial da Câmara dos Deputados reacende o debate sobre as políticas de controle de armas e munições e seus impactos na redução da violência no Brasil. De acordo com o Mapa da Violência 2015, a lei atual contribuiu para que mais de 160 mil vidas fossem salvas desde a sua aprovação.
Mas, quase 12 anos após a aprovação do Estatuto do Desarmamento, este projeto de lei propõe alterações em pontos centrais da legislação atual, cujos impactos positivos na redução de mortes por armas de fogo, além de apontados por diferentes estudos, são reforçados por especialistas e profissionais da segurança pública, incluindo os secretários de Segurança dos principais estados.
Dentre as alterações propostas, destacam-se a redução da idade mínima para a aquisição de armas de 25 para 21 anos, o aumento do número de armas que podem ser adquiridas pelo cidadão, que é ampliado de seis para nove armas, bem como do número de munições, que passa de 300 para 5.400 por ano. O projeto também facilita o porte de armas para civis, e diminui as penas para porte e posse ilegais de armas de calibre restrito, isto é, de uso militar. A publicidade para a venda de armas e munições, hoje restrita às publicações especializadas, também voltaria a ser liberada.
Sob a falsa premissa de que mais armas em circulação melhoram a segurança, este projeto de lei ignora o fato de que parte significativa das armas apreendidas em ocorrências criminais foi adquirida legalmente. Nossas pesquisas já constataram a grande participação das armas nacionais que haviam sido vendidas legalmente e que foram desviadas para o crime em estados como Rio de Janeiro e São Paulo.
Segundo os dados do Sistema Nacional de Armas (Sinarm) da Polícia Federal, 22.944 armas foram extraviadas entre 2009 e 2011. No mesmo período, 29.349 foram furtadas ou roubadas. Somente no Estado do Rio de Janeiro, a CPI do Tráfico de Armas, concluída pela Alerj em 2011, indicou que 8.912 armas haviam sido desviadas entre os anos de 2000 e 2010.
Entendendo que o conjunto de alterações do projeto de lei nº 3.722/2012 vai na contramão de uma estratégia nacional de redução de homicídios, nossas organizações, que acumulam anos de trabalho dedicados à redução e prevenção da violência no país, reiteram seu compromisso com o aperfeiçoamento e fortalecimento do Estatuto do Desarmamento.
Neste sentido, apresentam conjuntamente oito propostas legislativas que compõem a nota técnica “Subsídios da sociedade civil para o aperfeiçoamento da legislação de controle de armas e munições no Brasil”, documento que foi entregue na última semana à presidência da Câmara dos Deputados e protocolado junto à comissão especial que analisa o projeto de lei nº 3.722/2012.
Estas propostas avançam em temas fundamentais, tais como o aperfeiçoamento dos sistemas de marcação de armas e munições, incluindo a marcação das munições para civis e a redução dos lotes vendidos às forças de segurança, a melhoria dos processos de compartilhamento dos registros de armas entre os diferentes órgãos de segurança pública, e o aumento das penas para posse e porte ilegais de armas de uso restrito.
s vésperas da apresentação do relatório desta comissão, espera-se que o documento possa subsidiar a qualificação do debate, que deve refletir o engajamento de nossos legisladores no aprimoramento, fortalecimento e efetiva implementação de uma política de controle responsável de armas e munições em todo o Brasil. Assim, os congressistas demonstrarão que estão tão preocupados quanto nós em reduzir a violência letal que assola nosso país.
Robert Muggah é diretor de pesquisa do Instituto Igarapé, Ivan Marques é diretor-executivo do Instituto Sou da Paz e Rubem Cesar Fernandes é diretor-executivo do Viva Rio