‘Facebook deveria ser proativo no bloqueio de páginas’, diz pesquisador canadense
06/19/2016
O canadense Robert Muggah, no Brasil há cinco anos, já realizou pesquisas sobre tráfico de armas nos cinco continentes e conhece a realidade do comércio desse tipo de equipamento. Ao Estado, o diretor de pesquisa do Instituto Igarapé, sediado no Rio, falou sobre os grupos flagrados pela reportagem e pediu ações em duas frentes: primeiro, uma maior proatividade do Facebook em buscar e bloquear páginas suspeitas, respeitando os direitos dos cidadãos inocentes; segundo, reforçou a necessidade de desenvolvimento de uma política nacional na área, que permita uma maior integração das polícias e treinamento dos agentes a partir do que já está sendo feito em outras grandes cidades do mundo. Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Devemos nos preocupar com o comércio de armas pelo Facebook?
Com certeza. É um fenômeno crescente. Quando se vê mais acesso a meio digitais, e mais acesso a redes sociais, podemos esperar que esse fenômeno continue crescendo. Podemos esperar mais pessoas não somente interagindo socialmente, mas também envolvidas em comércio eletrônico. As duas coisas andam juntas. E ,com isso, podemos esperar o aumento desse comércio, inclusive para venda ilegal de armas.
Uma coisa a ser dita é que, apesar de novo no Brasil, a ideia de armas comercializadas pelo Facebook já se tornou bem sofisticada nos Estados Unidos e na Europa Ocidental e também em locais como Iraque, Síria, Afeganistão, Líbia. Isso acontece para o comércio legal e ilegal de armas de todos os calibres.
No começo desse ano, depois de muita pressão, o Facebook introduziu uma política onde dizem que não permitirão o anúncio e venda de armas de fogo na rede social. Eles decidiram por essa nova política, mas o problema é que pessoas continuam exibindo as armas, mas não com autorização para troca e venda. O problema é que as pessoas estão subvertendo essa autorização e estão usando a função messenger para continuar realizando transações, com um uso crescente do WhatsApp, com mensagens encriptadas. Mesmo assim, o Facebook não realiza um monitoramento proativo e fica dependente de reclamações de usuários. É só quando há reclamação ou denúncia que a empresa fecha as páginas e perfis. A empresa deveria ser impelida a tomar uma atitude muito mais proativa em retirar do ar as páginas que envolvem esse tipo de negócio online. Há um interesse público de segurança e saúde. Não deveria ser tão difícil fazer isso.
E se você considerar que o Facebook tem 1,5 bilhão de usuários e continua a crescer, e o Brasil é um dos maiores usuários, não é tão surpreendente que esse tipo de atividade esteja começando a aparecer.
Que tipo de risco esse comércio traz a política de desarmamento no Brasil?
Infelizmente, a política não é suficientemente forte. Apesar de a população estar obrigada por lei a registrar a arma de fogo, ainda há uma boa parte da população que não o faz. Em teoria, apesar de o Facebook estar acelerando a possibilidade de mais transações ocorrerem online, esse comércio deveria estar devidamente registrado. O problema é que essa obrigação fica mais difícil de ser cumprida e fiscalizada na medida em que mais transações acontecem online. Com aumento no volume de vendas, a venda pela internet vai representar um desafio para as forças de segurança que tentam ter cada vez mais ter controle sobre os registros das armas.
No Brasil, há um ‘jogo de empurra’ entre as polícias quanto à responsabilidade de investigação desses crimes pela internet. É preciso ser definida uma jurisdição mais clara?
Isso não é só no Brasil. Todo o domínio virtual se tornou problema para várias polícias, globalmente falando. Esses tipos de crime expõem as incoerências do sistema de segura. Coisas como pornografia, drogas e armas representam um desafio quando acontecem online. Até mesmo no mundo real, quando polícias da Bahia, São Paulo, Minas ou Rio se deparam com uma arma de fogo, eles também tem problema de comunição porque não há uma estratégia nacional coerente sobre o assunto.
Ocasionalmente, polícias do Rio, por exemplo, acham uma arma com um número de série da Bahia, mas não é sempre claro o que aquele agente deve fazer. Em última instância, vai depender de alguém ter um amigo no departamento da Polícia Federal que vai abrir um caso e apurar. Isso é bastante discricionário. Temos um patamar muito baixo de rastreio de armas domesticamente, o que internacionalmente é ainda mais complicado. Os Estados Unidos até que são bem proativos nesses tipos de busca, mas Rússia e China não são, Israel não é. Então, é muito difícil. O assunto de venda pela internet chama atenção para um problema muito maior que é a coordenação entre as polícias.
O que precisamos no Brasil é ter uma estratégia nacional que forneça os meios para cooperação quando se fala em rastreio de armas. Precisamos legislação que requeira registro de todas as armas e munições de forma única. Está atualmente na lei, mas não foi implementado.
Qual a saída para a polícia brasileira?
Uma coisa que precisa ser feita é o adequado acesso e treinamento das polícias estaduais e Federal a meios necessários para monitoramento eficaz, de modo a respeitar direitos de cidadãos inocentes online. Isso requer uma estratégia e não pode ser feita de qualquer forma. O cibercrimes precisam de estratégia coerente.
O diálogo precisa começar entre os Estados com as grandes companhias como Facebook, Twitter, e outros aplicativos envolvidos e plataformas. Nos Estados Unidos, a Casa Branca chamou as maiores companhias em janeiro para ajudar a definir uma estratégia.
Em outro nível, há um aprendizado a ser adquirido como outros países que estão agindo na área. Polícias de Los Angeles, Chicago, Nova York, Londres, estão fazendo muitos trabalhos nessas áreas no nível de inteligência em que poderia haver compartilhamento. O Brasil não está sozinho e não deveria considerar agir dessa maneira.