Manifesto dos pesquisadores contra a revogação do Estatuto do Desarmamento

rsz_manifestoÀ Sociedade Brasileira:

Somos pesquisadores de instituições públicas e privadas de ensino e pesquisa no Brasil e no exterior. O intuito deste documento é informar a sociedade sobre as evidências científicas disponíveis acerca da efetividade do Estatuto do Desarmamento como um instrumento para salvar vidas. Essas evidências encontram-se publicadas em teses de doutorado, periódicos científicos e capítulos de livros, alguns dos quais estão listados ao final deste texto. Desejamos deixar registrados os resultados de pesquisas que refutam a hipótese de que “mais armas em circulação causam uma redução na violência”.

Este manifesto se faz necessário em face da recente aprovação, por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 3722/12, que visa revogar o Estatuto do Desarmamento. Entre outros pontos, o projeto de lei reduz a idade mínima para aquisição de armas de fogo de 25 para 21 anos e autoriza indivíduos que respondem a inquérito policial ou a processo criminal a possuírem e portarem armas de fogo, inclusive aqueles processados por homicídio.

Sentimos o dever moral de dar ciência ao público das conclusões dos estudos científicos com o intuito de fomentar uma discussão séria sobre a efetividade da lei atual, sem viés ideológico. Infelizmente, alguns legisladores tomam decisões sem se pautar em evidências científicas, mesmo quando elas existem. O relaxamento da atual legislação sobre o controle do acesso às armas de fogo implicará mais mortes e ainda mais insegurança no país.

Inegavelmente, o apelo à aprovação desse projeto de lei ganha força no rastro da sensação de insegurança que vivemos no Brasil. No entanto, a violência é um fenômeno complexo. Há outros fatores estruturais e conjunturais relacionados ao nível de violência, como educação, desigualdade de renda, arranjo institucional e orçamento para segurança pública. Assim, ao se avaliar o efeito da quantidade de armas em circulação sobre a violência, deve-se levar em conta todos esses fatores. Estudos cientíços que lograram abordar esse problema de forma estatisticamente adequada geraram evidências empíricas robustas sobre a relação entre armas de fogo e violência. Esses estudos, conduzidos em inúmeras instituições de pesquisa domésticas e internacionais, levam à conclusão inequívoca de que uma maior quantidade de armas em circulação está associada a uma maior incidência de homicídios cometidos com armas de fogo.

Essas evidências foram encontradas por cientistas e pesquisadores independentes, tanto do Brasil quanto do exterior, treinados em metodologias estatísticas rigorosas aceitas na academia internacional. Essas metodologias constituem o estado da arte para se lidar com as dificuldades inerentes à identiçação do efeito causal em fenômenos sociais complexos.

Nossa intenção com este manifesto é alertar a sociedade brasileira para a existência de fortes evidências que vinculam uma maior circulação de armas de fogo a mais violência letal causada por armas de fogo. Ressalte-se que a miséria da política de segurança no Brasil nasce quando leis são formuladas sem levar em conta o conhecimento científico acumulado em anos de pesquisa, como está ocorrendo na proposição em discussão na Câmara dos Deputados. Os estudos científicos listados abaixo – que fundamentam este manifesto – devem ser considerados pelos nossos representantes no Congresso Nacional antes de decidirem sobre a aprovação do projeto de lei que visa tornar mais fácil a posse e porte de armas de fogo no Brasil.

Brasília, 21 de setembro de 2016

Assinam:

  1. Alba Zaluar (Doutora em Antropologia, professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro)
  2. Ana Lúcia Kassouf (PhD em Economia, professora da Universidade de São Paulo)
  3. André Zanetic (Doutor em Ciência Política, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo)
  4. Antonio Rangel Bandeira (Mestre em Ciência Política, consultor do Viva Rio)
  5. Arturo Alvarado (Doutor em Ciências Sociais, professor do El Colegio de México)
  6. Arthur Trindade Maranhão Costa (Doutor em Sociologia, professor da Universidade de Brasília)
  7. Bruno Langeani (Bacharel em Direito, pesquisador e coordenador de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou da Paz)
  8. César Barreira (Doutor em Sociologia, professor e diretor do Laboratório de Estudos da Viol^encia da Universidade Federal do Ceará).
  9. Cláudio Beato (Doutor em Ciências Sociais, diretor do Centro de Estudos em Criminalidade da Universidade Federal de Minas Gerais)
  10. Cristiano Aguiar de Oliveira (Doutor em Economia, professor da Universidade Federal do Rio Grande)
  11. Dalva Maria Borges de L. D. de Souza (Doutora em Sociologia, professora e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Criminalidade e Violência da Universidade Federal de Goiás)
  12. Daniel Ricardo de Castro Cerqueira (Doutor em Economia, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)
  13. Danilo Santa Cruz Coelho (PhD em Economia, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)
  14. David Hemenway (PhD em Economia, professor da Harvard School of Public Health e diretor do Harvard Injury Control Research Center – Estados Unidos)
  15. Doriam Borges (Doutor em Sociologia, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro)
  16. Edinilsa Ramos de Souza (Doutora em Saúde Pública, pesquisadora do Centro Latino Americano de Estudos sobre Violência e Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública – Fundação Oswaldo Cruz)
  17. Edward J. Laurance (PhD em Relações Internacionais, professor e Gordon Paul Smith Chair no Middlebury Institute of International Studies at Monterey – Estados Unidos)
  18. Eduardo Pazinato (Doutorando em Políticas Públicas, coordenador do Núcleo de Segurança Cidadã da Faculdade de Direito de Santa Maria e diretor de projetos estratégicos do Instituto Fidedigna)
  19. Felippe Angeli (Mestre em Ciências Políticas, assessor de Relações Institucionais do Instituto Sou da Paz)
  20. Felippe De Rosa (Mestre em Relações Internacionais, Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro)
  21. Giácomo Balbinotto Neto (Doutor em Economia, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
  22. Glaucio Ary Dillon Soares (PhD em Sociologia, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro)
  23. Gustavo Oliveira Vieira (Doutor em Direito, professor da Universidade Federal da Integração Latino Americana)
  24. Ignacio Cano (Doutor em Sociologia, professor e diretor do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro)
  25. Ivan Marques (Mestre em Relações Internacionais, mestre em Direitos Humanos, pesquisador e diretor executivo do Instituto Sou da Paz)
  26. Jacqueline Sinhoretto (Doutora em Sociologia, professora da Universidade Federal de São Carlos)
  27. João Manoel Pinho de Mello (PhD em Economia, professor do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa)
  28. Jony Arrais Pinto Junior (Doutor em Estatística, professor da Universidade Federal Fluminense)
  29. José Luiz Ratton (Doutor em Sociologia, professor da Universidade Federal de Pernambuco)
  30. Joviana Quintes Avanci (Doutora em Ciências, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública – Fundação Oswaldo Cruz)
  31. Julio Jacobo Waiselfisz (Mestre em Planejamento Educacional, coordenador do Programa de Estudos sobre a Violência da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais)
  32. Julita Lemgruber (Mestre em Sociologia, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania)
  33. Kai Michael Kenkel (PhD em Relações Internacionais, professor do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro)
  34. Khatchik DerGhougassian (PhD em Estudos Internacionais, professor da Universidad de San Andrés – Argentina)
  35. Liana de Paula (Doutora em Sociologia, professora da Universidade Federal de São Paulo)
  36. Luciana Maria de Aragão Ballestrin (Doutora em Ciência Política, professora da Universidade Federal de Pelotas)
  37. Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro (Doutora em Sociologia, professora da Universidade Federal de Minas Gerais)
  38. 38. Luiz Eduardo B. de M. Soares (Doutor em Sociologia, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro)
  39. Luiz Flávio Sapori (Doutor em Sociologia, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais)
  40. Luiz Guilherme Scorzafave (Doutor em Economia, professor da Faculdade de Economia e Adminstração da Universidade de São Paulo)
  41. Luiza Jane Eyre de Souza Vieira (Doutora em Enfermagem, professora da Universidade de Fortaleza)
  42. 42. Marcelo Fernandes (PhD em Gestão, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e da Queen Mary University of London)
  43. Marcelo Justus (Doutor em Economia, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas)
  44. Maria Cecília de Souza Minayo (Doutora em Saúde Pública, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz)
  45. Maria Fernanda Tourinho Peres (Doutora em Saúde Pública, professora da Universidade de São Paulo)
  46. Maria Luiza Carvalho de Lima (Doutora em Saúde Pública, pesquisadora do Laboratório de Estudos em Violência e Saúde, Fundação Oswaldo Cruz/Recife)
  47. Pery Francisco A. Shikida (Doutor em Economia, professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná)
  48. Philip Alpers (Professor da Sydney School of Public Health – The University of Sydney)
  49. Renato Sérgio de Lima (Doutor em Sociologia, professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas e vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública)
  50. Robert Muggah (PhD em Desenvolvimento Internacional, Economia e Ciência Política; pesquisador e diretor de pesquisa do Instituto Igarapé)
  51. Robson Sávio Reis Souza (Doutor em Ciências Sociais, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais)
  52. Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo (Doutor em Sociologia, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul)
  53. Rodrigo Reis Soares (PhD em Economia, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas)
  54. Sérgio Adorno (Doutor em Sociologia, professor e coordenador do Núcleo de Estudos da Viol^encia da Universidade de São Paulo)
  55. Sergio Salomão Shecaira (Doutor em Direito Penal, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo)
  56. Tulio Kahn (Doutor em Ciência Política, pesquisador e consultor para assuntos de segurança pública)
  57. Vilma Pinheiro Gawryszewski (Doutora em Saúde Pública, assessora para informação de saúde e análise da Organização Pan-Americana da Saúde)

 

Referências

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