Revelando o invisível: dados inéditos demonstram participação tímida mas crescente de mulheres brasileiras em missões de paz da ONU

Por Renata Giannini, Eduarda Hamann e Pérola Abreu

A violência contra mulheres é, em grande medida, silenciosa. De maneira análoga, as contribuições das mulheres para a paz e a segurança são pouco conhecidas e, mesmo hoje, dificilmente recebem destaque entre autoridades, acadêmicos ou jornalistas. O 19º aniversário da Resolução 1325 do Conselho de Segurança, que trata do tema, é marcado pelo reconhecimento do papel fundamental das mulheres em processos de paz e da urgência em se superar a lacuna entre retórica e realidade. Com uma representatividade inferior a 1%, o Brasil ainda deixa a desejar no que tange à participação de mulheres em operações de paz.

A Resolução 1325 – que inaugurou a chamada agenda “Mulheres, Paz e Segurança” (MPS) – contribuiu para o entendimento de que a participação de mulheres é ingrediente fundamental para que a paz seja efetivamente sustentável. De modo geral, essa agenda foca em quatro pilares: a promoção da participação de mais mulheres atuando em ações relacionadas à paz e à segurança; a prevenção e a proteção da violência baseada em gênero, em especial à violência sexual relacionada a conflitos, e a inclusão de uma perspectiva de gênero na assistência humanitária. Em conjunto, essas dimensões visam a garantir a participação, o protagonismo e o reconhecimento do papel fundamental desempenhado por mulheres em ações relacionadas à paz e à segurança.

Desde o ano 2000, a 1325 e as resoluções que a seguiram têm o intuito de fortalecer estratégias, programas e atividades com uma abordagem que reconheça mulheres como sujeitos ativos na promoção da paz e da segurança e que considere os impactos específicos dos conflitos armados e da insegurança generalizada sobre mulheres e meninas. Passados 19 anos de sua aprovação, permanecem os desafios. No debate aberto sobre MPS realizado no Conselho de Segurança, no último dia 29, uma nova resolução sobre o tema foi aprovada por unanimidade, e os representantes dos países membros destacaram a necessidade de se concentrar esforços para efetivamente implementar a resolução, conferindo-lhe prioridade política, financiamento próprio, mecanismos de prestação de contas e participação da sociedade civil.

Brasil não pode ficar para trás

Em março de 2017, o país deu um importante passo em seu engajamento na agenda MPS ao lançar seu primeiro Plano Nacional de Ação (PNA) e comprometer-se com a sua implementação. Apesar de algumas limitações, particularmente no que se refere à promoção de uma participação plena de mulheres em ações relacionadas à paz e ao reconhecimento dos desafios domésticos na prevenção e proteção de mulheres contra a violência baseada em gênero, o PNA brasileiro, renovado em março deste ano, conferiu maior espaço para a agenda no âmbito doméstico.

Com efeito, a participação de mulheres brasileiras em ações no exterior relacionadas à paz e à segurança, apesar de pequena, tem aumentado de maneira significativa nos últimos anos. Entre 1992 e 2019, 286 mulheres uniformizadas brasileiras (policiais e militares) foram enviadas a contextos instáveis para trabalhar em missões de paz das Nações Unidas. Nesse período, no entanto, sua participação correspondeu a apenas 0,6% da contribuição de pessoal do Brasil para essas operações, entre mais de 48 mil profissionais.

As primeiras policiais brasileiras foram enviadas a Angola em 1992 e a primeira militar, ao Timor-Leste em 2003. Desde então, aumentaram as possibilidades de brasileiras uniformizadas participarem de missões de paz, inclusive como observadoras militares e oficiais de Estado-maior, categorias em que atuam desarmadas em missões individuais. Nossa primeira observadora militar foi enviada à Costa do Marfim em 2013, e a primeira oficial de Estado-maior foi para a Libéria em 2016.

Entre as missões que mais receberam militares brasileiras na última década, destaca-se a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH). Com o fim dessa missão, em 2017, observa-se o aumento da participação de brasileiras em missões individuais, além de uma maior diversificação de missões. Em setembro de 2019, o número de missões de paz da ONU com brasileiras uniformizadas chega a cinco das dez missões em que o Brasil participa. Há 10 anos, havia uma única missão com brasileiras.

No caso das policiais, a missão que mais recebeu brasileiras foi a Missão das Nações Unidas no Timor Leste (UNMIT), seguida das missões no Sudão do Sul (UNMISS) e em Angola (UNAVEM II). Entre 1992 e 2019, as corporações que mais enviaram brasileiras para atuar em missões de paz foram a do Distrito Federal e a de São Paulo. Por fim, outro importante dado refere-se às contribuições de civis brasileiras a missões de paz: hoje, há 8 mulheres (33%) entre os 24 brasileiros que são profissionais de carreira da ONU, além de 10 Voluntárias das Nações Unidas, ou 53% do grupo de 19 brasileiros que trabalham em missões de paz em 2019.

Ao todo, e apenas em 2019, há, no terreno, 28 mulheres (militares, policiais e civis) entre os cerca de 300 brasileiros que trabalham em países instáveis em prol da paz e segurança internacional por meio de missões da ONU.

É preciso reconhecer também os riscos e sacrifícios específicos compartilhados por mulheres que atuam em prol da paz e segurança internacionais. Estes incluem cuidados com relação à saúde feminina, medo da violência baseada em gênero, bem como desafios estritamente relacionados à expectativa social sobre o papel da mulher na família e na sociedade, como a distância dos filhos, as comparações em termos de capacidade profissional e a necessidade de trabalho redobrado para provar sua capacidade.

A baixa representatividade não deve justificar a invisibilidade

Enquanto no âmbito global o aniversário da Resolução 1325 tem sido marcado pela disputa entre narrativas relacionadas a direitos sexuais e reprodutivos de mulheres sobreviventes da violência, precisamos, no Brasil, reconhecer o excelente trabalho desempenhado pelas poucas mas valiosas brasileiras em missões de paz da ONU. É fundamental dar visibilidade a suas experiências e endereçar os riscos e sacrifícios específicos que elas enfrentam quando dedicam parte de suas vidas à promoção de esforços em prol de uma paz efetivamente sustentável.

Eduarda Hamann e Renata Giannini são pesquisadoras do Instituto Igarapé. Pérola Abreu Pereira é consultora independente.

The Igarapé Institute uses cookies and other similar technologies to improve your experience, in accordance with our Privacy Policy and our Terms of Use, and by continuing to browse, you agree to these conditions.

O Instituto Igarapé utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência, de acordo com a nossa Política de Privacidade e nossos Termos de Uso e, ao continuar navegando, você concorda com essas condições.

Pular para o conteúdo