Perdemos todos

A história cobrará o preço da escolha que teremos que fazer no dia 28

Por Ilona Szabó

Publicado na Folha de S.Paulo

A polarização venceu e —não se iludam— perdemos todos. Os populistas e autoritários sabem que é muito mais simples dividir as pessoas do que construir uma causa comum. E conseguiram. Dividiram o país de forma impensável e espalharam um ódio mortal que está dilacerando relações entre familiares, amigos e incitando a violência real. Sejamos justos, o discurso do “nós contra eles” não começou com Bolsonaro. Lula usou e ainda usa essa tática. Mas seu opositor extrapolou todas as barreiras. Incitar a violência é crime. Por favor, basta!

Segunda pela manhã recebi a notícia que o mestre de capoeira baiano Romualdo Rosário da Costa, o Moa do Katendê, de 63 anos, foi assassinado com 12 facadas após declarar que tinha votado em Haddad em um bar na periferia de Salvador. Ele foi professor do mestre de capoeira da minha filha, que estava transtornado com a notícia na aula daquela manhã. Esse crime é de responsabilidade direta do discurso de ódio, racismo, misoginia e preconceito que vem sendo disseminado com proficiência nos últimos anos, em especial nas redes de WhatsApp de candidatos e simpatizantes. E esse primeiro crime fatal de ódio documentado no período eleitoral se soma a muitas outras situações de ameaça, agressão e humilhação ocorridas e registradas por todo o Brasil nos últimos dias.

Em São Paulo, um grupo de homens hostiliza gays em público, cantando: “Ô bicharada, toma cuidado, o Bolsonaro vai matar viado”. No Rio, um homem ameaça mulheres no metrô, dizendo que Bolsonaro vem aí e que as “vagabundas que se cuidem”. Em Natal, professor de história é ameaçado de morte depois de uma aula sobre cinema onde falou sobre Lei Rouanet. Em Fortaleza, jovem é agredido por um grupo, pois estava com camisa vermelha. Além desses e de outros vários casos documentados, amigos que são lideranças de duas reconhecidas organizações de novas mídias receberam ameaças de morte e tiveram que buscar ajuda jurídica e policial.

Essas manifestações que até pouco tempo seriam abominadas por toda a sociedade, se normalizaram e fazem parte da animação de seguidores cegos (sim, porque o ódio cega), em comícios e passeatas Brasil afora. Independentemente do resultado das eleições, como diz Clovis Rossi, o dano já foi feito, retrocedemos muitos passos na escala civilizatória. Mas ele pode ser infinitamente maior se nada fizermos para frear o discurso do ódio e a incitação à violência.

A história cobrará o preço a todos nós diante da escolha que teremos que fazer no dia 28 de outubro. O caminho a seguir é incerto. Os brasileiros podem escolher abraçar a política de divisão e o apelo sedutor de soluções mágicas e dos salvadores da pátria. Não creio que seremos felizes e ainda nos arriscamos a seguir o caminho de países governados por autoritários populistas como a Hungria, as Filipinas, a Nicarágua e a Venezuela. Alternativamente, os brasileiros podem exigir e participar da formação de uma ampla frente democrática, com representantes de todo espectro da sociedade, e renovar nossa democracia.

As sementes da renovação já foram plantadas, mas vai levar tempo e a situação pode piorar antes de melhorar. Se quisermos um país melhor, não temos escolha a não ser nos engajar em uma batalha geracional de reconstrução de um novo campo político com partidos inclusivos, apoiar uma nova geração de líderes capazes de dialogar, acordar sobre uma agenda pública comum e reconstruir pontes baseadas em empatia, compromisso ético e respeito. A sorte está lançada.

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