Passo decisivo para o controle de armas

Passo decisivo para o controle de armas

Projeto de lei estabelecendo a política estadual de controle de armas e munições precisa ser aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio

01/04/2018
Por Michele dos Ramos
Publicado originalmente em O Globo

A noite de 14 de março nos lembrou, de maneira trágica, o longo caminho e as tantas lutas que precisamos protagonizar para reduzirmos a violência de uma sociedade em que a cor da pele, o local onde nascemos, nosso gênero e nossas causas podem determinar o alcance de nossas vozes. E as tantas formas que tentarão silenciá-las.

Nos dias seguintes ao assassinato de Marielle, em meio ao luto e às mobilizações em diferentes cidades do país, os primeiros passos da investigação denunciavam mais uma de nossas negligências. No país em que cerca de 72% dos homicídios são cometidos por armas de fogo e na cidade em que balas perdidas são rotineira e tragicamente achadas, as munições que tiraram a vida de Marielle haviam sido desviadas de um lote vendido para a Polícia Federal em 2006.

Décadas de estudo e engajamento de diferentes pesquisadores e organizações da sociedade civil, como o Instituto Igarapé e o Sou da Paz, e os resultados das Comissões Parlamentares de Inquérito realizadas pela Alerj em 2011 e entre 2015 e 2016 — presididas respectivamente pelos deputados Marcelo Freixo e Carlos Minc — mostram, de maneira bastante concreta, medidas que precisam ser tomadas. Elas fortalecem a fiscalização sobre armas e munições, aumentam nossa capacidade de investigação e reduzem os focos de desvios. É preciso evitar que armas e munições legais, compradas com dinheiro público, acabem alimentando o mercado ilegal e sendo utilizadas em ações criminosas.

Como resultado da CPI sobre desvios de armas, munições e explosivos, foi apresentado à Alerj no ano passado um projeto de lei estabelecendo a política estadual de controle de armas e munições. Dentre as medidas elencadas, estão, por exemplo, o limite de mil unidades por lote de munições compradas pelo estado. Importante lembrar que, no caso de Marielle, o lote de mais de dois milhões de unidades com mesma numeração dificulta — e muito — o rastreamento do caminho percorrido entre 2006 e a noite de 14 de março. Está previsto também o fortalecimento do controle do material bélico das forças de segurança e da cadeia de custódia das armas apreendidas. O projeto já recebeu emendas e está pronto para votação no plenário da Assembleia.

Ainda que o governo federal tenha um papel central na consolidação de uma efetiva regulação responsável de armas e munições no país — e é preciso que esse compromisso seja, de fato, assumido como prioritário —, o Estado do Rio de Janeiro pode e deve avançar nas ações que estão sob sua esfera de competências.

Sabemos que são muitas as frentes nas quais deveremos atuar para não reproduzirmos a noite de 14 de março e tantas outras tragédias que protagonizamos. Sabemos que é preciso seguir e que retrocessos não podem ganhar a luz do dia. Que optemos, então, em meio aos nossos lutos e tantas lutas, por aprovar o projeto de lei que estabelece uma política de controle de armas e munições em nosso estado. Que possamos, como Rio de Janeiro, dizer: “Esse foi um dos importantes passos que decidimos dar”.

Michele dos Ramos é pesquisadora do Instituto Igarapé

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