Número de presos mortos por doenças na prisão aumenta a cada ano no Rio

G1

Julho, 2017

estado do Rio de Janeiro enfrenta muitos desafios em todas as áreas: saúde, segurança, educação. E tem muitos que passam despercebidos, como o que está dentro dos presídios. Lá, em celas superlotadas, sem condições mínimas de higiene, estão encarceradas mais de 50 mil pessoas. Um levantamento feito pela Defensoria Pública revelou que os presos estão morrendo cada vez mais.

Falta higiene, estrutura adequada, dignidade, como mostram as imagens feitas em maio, no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, em Bangu, na Zona Oeste, feitas pela Defensoria Pública do Estado do Rio, que depois de reunir informações de outras unidades, acionou o alerta: tem muita gente morrendo nas penitenciárias do Rio.

Uma delas é a Cadeia Cotrim Neto, em Japeri, na Baixada Fluminense. Um vídeo que caiu nas redes sociais gravado por detentos, mostra o preso Everton do Nascimento Souza, de 21 anos, morto dentro da cela. Os colegas dizem que ele passou mal e não recebeu atendimento médico. A Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) está investigando a denúncia de omissão de socorro e da entrada de celular na cela.

Desde 2010 o número de mortes dentro de prisões tem aumentado de forma espantosa no Rio de Janeiro. Ano passado, foram 257. Este ano, até o dia 11 de julho foram 132 casos. Gente morrendo por doenças que poderiam ser facilmente tratadas.

“Geralmente é tuberculose e problemas com HIV, que são acentuados. São o que a gente tem chamado de morte silenciosa. Elas são geradas em razão de deficiências do sistema de saúde interno do sistema penitenciário. Sem medo de errar, eu diria que 90% das mortes no interior do sistema prisional do Rio são geradas por doenças e não são mortes violentas como às vezes o senso comum pode pensar ”, diz o defensor público Ricardo André de Souza.

Um preso exibe um laudo que mostra que ele está com pneumonia desde 27 de abril deste ano, sem tratamento algum e sem receber medicamentos.

Preso em Bangu 10, o marteleteiro Renato Cirpiano Gomes travou duas lutas ao mesmo tempo: a primeira, provar sua inocência, a segunda, não ficar doente.

“Você acredita que fiquei dois meses e cinco dias descalço, sem escova de dentes, sem toalha, sem travesseiro, sem lençol. Com um colchão. Dois meses e cinco dias, quando eu ia tomar banho, lavava a calça, torcia bem, e colocava ela molhada. Lavava a camisa e torcia bem para botar ela molhada. Passei dois meses e cinco dias sem banho de sol, sem visita, sem nada. Sofri muito. Vi muita gente doente, muita. Muita gente com tuberculose. Não tem as condições mínimas, não tem remédio, como é que a pessoa vai ser curar ali dentro? Não tem como se curar”, lembrou Renato.

A agonia de Márcia Helena de Souza, mãe de Jonathan Conceição, durou nove meses. Pouco a pouco, ela viu o filho perder a saúde, o ar, a vida.

“De maio para junho eu senti ele muito mais magro. Ele falou que tinha botado sangue pela boca. Aí, comecei a correr atrás de saber o que ele tinha. Fui na Corregedoria, não me atenderam. Disseram que não podiam fazer nada”, contou Márcia, que numa visita de fim de semana recebeu a notícia que filho tinha sido internado no hospital da unidade. “Bateram muito nele, para levar ele. Toda vez que um preso passa mal, eles batem. Eles socorrem, mas eles não gostam. Encontrei ele com uma máscara e com uma blusa que ele estava pior que um mendigo. O lugar era muito sujo, horrível. Esse hospital dentro do complexo é horrível o ambiente”, disse Márcia.

Jonathan Conceição foi preso quando tinha 18 anos e cumpriu pena durante sete anos. Deixou a cadeia tão debilitado que teve de ser carregado até o portão de saída. Na tentativa desesperada de salvar o filho, Márcia correu para um hospital particular. Ele fez uma bateria completa de exames mas já era tarde. Passaram os remédios e o médico disse que Jonathan não tinha mais um pulmão e o outro só tinha metade. Ele morreu um mês depois de deixar o Complexo de Gericinó.

“Não tenho mais vida. Tanto que eu pedi ao estado, tanto que eu pedi à VEP, eu me humilhava com a assistente social, de levar foram de ouvir eles dizerem ‘minha senhora, seu filho está preso’, A gente é muito invisível para o estado quando a gente é pobre. Levaram o meu filho tão novo. Ele pagou pelo o que ele fez e o que ele não fez”, se desesperou Márcia.

São espaços apertados, sujos, com pouca ventilação, completamente lotados. Combinação perfeita para qualquer epidemia. Celas com espaço para seis tinham até 15 pessoas. Isso, segundo o defensor público gera inúmeros problemas de saúde, problemas dermatológicos que poderiam ser tratados de maneira simples e rápida, mas que em razão da falta de cuidados evoluem para infecções e podem levar até à morte.

O sistema prisional do Rio tem hoje 23 mil presos a mais do que a capacidade. A pesquisadora Ana Paula Pelegrino, do Instituto Igarapé, diz que a maioria dos presos é de crimes como relação ao tráfico de drogas e contra a propriedade, poucos são de crime contra a vida. Cerca de 31% desses detentos são provisórios, ainda não foram julgados. Um estudo feito em 2015 mostra que 40% dos provisórios são soltos depois do julgamento.

Renato disse que foi confundido com um dos suspeitos que tinham incendiado a base da UPP de Manguinhos, em 2014. Depois de seis meses e 25 dias presos foi julgado e absolvido. Além da vida das pessoas o que está em discussão é a aplicação das leis. Ao negar aos presos direitos fundamentais o estado torna injusto o próprio ato de promover justiça.

A Secretaria de Administração Penitenciária negou a falta de remédios para tuberculose e HIV nos presídios e disse que está providenciando a compra dos medicamentos para outras doenças. A Seap não respondeu por que Renato, que aparece na reportagem, ficou dois meses só com a roupa do corpo. E também não deu resposta sobre as denúncias de agressões aos presos.

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