Voto de Moraes favorável ao controle responsável de armas e munições é boa notícia, mas nova suspensão de julgamento-chave no STF coloca segurança e democracia em risco, afirmam institutos Igarapé e Sou da Paz

 

Liminar restabelece medidas de marcação e rastreamento de armas e munições. Desde pedido de vista anterior, 64 mil novas armas foram registradas por cidadãos

 

 

Após voto do ministro Alexandre de Moraes favorável à derrubada de dispositivos que favorecem o descontrole de armas, julgamento-chave no Supremo Tribunal Federal (STF) que analisa decretos, portarias e resoluções de armas editados por Jair Bolsonaro desde 2019 foi novamente suspenso com pedido de vista do ministro Kassio Marques nesta sexta-feira. Ao todo, a Corte avalia 15 ações que apontam a inconstitucionalidade e o descumprimento de direitos e garantias fundamentais da Constituição pelas medidas adotadas pelo governo. 

Além de acompanhar os votos dos relatores ministro Edson Fachin e ministra Rosa Weber em 12 ações, o ministro Moraes concedeu uma liminar suspendendo, dentre outras medidas, a eficácia de portarias que revogaram normas que aperfeiçoavam os mecanismos de fiscalização de produtos controlados pelo Exército em duas ações nas quais é relator (ADPFs 681 e 683). Moraes aponta que houve desvio de finalidade em portaria que dificulta o rastreio de armas. 

Os votos do ministro Alexandre de Moraes e a liminar concedida são passos importantes para barrar retrocessos na política de controle de armas e munições no país, mas a nova interrupção do julgamento  coloca a segurança e democracia em risco, avaliam os institutos Igarapé e Sou da Paz. 

“O voto do ministro Moraes é uma boa notícia, mas o ritmo com que a ampliação do acesso a armas vem ocorrendo é mostra de que o assunto demanda urgência. O desmantelamento da política de controle de armas e munições que vem ocorrendo no país desde 2019 já tem consequências práticas”, afirma Melina Risso, diretora de programas do Instituto Igarapé. 

Os processos estavam suspensos desde 16 de abril, quando o ministro Moraes pediu vista. Para se ter ideia da importância do que pode significar um novo adiamento, apenas de abril, quando houve o pedido de vista anterior, para cá foram registradas cerca de 64.107 novas armas por cidadãos comuns, de acordo com estimativas dos Instituto Sou da Paz e Igarapé. O cálculo não inclui os Caçadores, Atiradores desportivos e Colecionadores (CACs), grupo mais beneficiado pela política do presidente, que passaram a ter acesso a grandes arsenais de armas de grande potencial ofensivo.

O pacote de ações em julgamento analisa, por exemplo, a mudança da definição de armas de uso permitido (que passou a incluir armas que antes eram de uso restrito das forças de segurança, como pistolas 9mm) e de uso restrito (que permite o acesso a armas como fuzis semiautomáticos). A ampliação dos limites de aquisição de armas e munições para CACs, além da ampliação da validade do registro de arma de fogo de cinco para 10 anos, também estão entre as mudanças que podem ser freadas. 

Os institutos têm acompanhado, de um lado, a expansão do número de armas e, de outro, uma ausência de melhorias nas capacidades de o Estado controlar seus arsenais. Como demonstram pesquisas, desvios nesses acervos legais são fonte para a ilegalidade e para o cometimento de crimes. 

Diferentes partidos, com apoio técnico da sociedade civil, ajuizaram as ações que estão sendo analisadas pelo Supremo. Os institutos Igarapé e Sou da Paz, ao lado de outras organizações, atuam como amici curiae em diversas dessas ações. 

“Cabe lembrar que as evidências científicas indicam que uma maior circulação de armas de fogo aumenta os índices de diferentes formas de violência”, comenta Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. “E ainda que a flexibilização do controle ocorre em um momento de tensão, em que o armamento da população é apontado como um instrumento a ser usado para impor vontades políticas”, diz.

O STF tem em suas mãos a possibilidade de interromper retrocessos, gerando impactos positivos não apenas para a segurança pública, mas também para a democracia, avaliam as organizações.

 

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